Falar e não ser ouvido. Pior: ser criticado por algo que você nem disse. Estar entre tantos, mas sentir-se sozinho. Não sentir-se acolhido por amigos ou mesmo familiares é, infelizmente, uma situação bastante comum nos dias de hoje. Mas não precisa ser assim.
O caminho do acolhimento, de acordo com o professor de filosofia Matheus Cedric Godinho, passa necessariamente por um sentido muito importante, ainda que pouco usado, o ouvir. "Ouvir o outro, o máximo possível despido de julgamento, sem ter a necessidade dar ao outro uma resposta pronta para aquilo que você acha que ele deve fazer ou que você acha que é melhor", explica o professor.
Confira abaixo como ser uma pessoa mais acolhedora no dia a dia, de acordo com Matheus, e o que isso significa, na prática:
Como podemos ser mais acolhedores no dia a dia?
A primeira grande questão, e talvez a mais importante, seja a capacidade de ouvir. É claro que, a depender do temperamento de cada um, isso pode ser mais ou menos difícil. Em pessoas que tendem a ser mais ansiosas e irritáveis, em geral elas têm mais dificuldade em ouvir o outro, porque elas estão sempre prontas para dar uma resposta, especialmente se aquilo que se diz se refere à ela. Mas o caminho do acolhimento passa necessariamente pelo ouvir o outro, o máximo possível despido de julgamento, sem ter a necessidade de dar ao outro uma resposta pronta para aquilo que você acha que ele deve fazer ou que você acha que é melhor.
O que atrapalha essa acolhida?
Quando eu entro em conversas já armado com argumentos e com a minha experiência, ou meu modo de ser, e o outro mal começou a expor as suas ideias, suas questões, isso impede muito esse sentimento de acolhida. A linguagem é um dom humano que nos concede essa sensação de empatia. Quando começamos a ouvir o outro, demonstramos que a vida desse outro, que a história e os conflitos não são só dele, mas podem ser partilhados.
Quais perguntas temos que ter em mente quando tentamos ouvir o outro?
Ouvir é o primeiro passo e segurar um pouco na resposta é outro passo. Nem tudo precisa ser respondido em um primeiro momento ou contrariado já de início. Refletir um pouco sobre o que o outro diz, os porquês de aquela pessoa apresentar aquele comportamento. De por que ela estar falando aquelas coisas.
Quais são os riscos em não ouvir o outro?
Nos tempos em que vivemos, das redes sociais, é um momento de comunicação muito rápida, fluída, intensa. Como o falar perdeu um pouco da consistência, porque o que eu falo agora, daqui a pouco posso mudar, a gente acaba sempre dando uma resposta muito pronta. A gente só vê a manchete daquilo que a pessoa está ensaiando para dizer e já questiona. E isso gera um afastamento, o medo de ser julgado. Enquanto ser humano, eu espero ser reconhecido na minha dignidade e sempre que eu me abro ao outro, que eu me apresento, espero encontrar no outro ressonância daquilo que eu sinto.
"Vemos que a área da Psicologia cada vez mais cresce e isso é bom, mas muitas das coisas que levamos para o divã poderiam se resolver no dia a dia, desde que a gente pudesse conversar com as pessoas com as quais convivemos. Problemas que eu poderia resolver com minha filha, esposo, mãe, tenho que levar para a clínica para falar com meu terapeuta porque eu não consigo falar em casa, porque não tem mais a acolhida"
O que podemos aprender ao escutarmos o outro?
Quando eu tenho a capacidade de ouvir, eu me desarmo das minhas próprias ideias e conceitos e tento focar mais naquele que fala, e entender o que o outro está falando a partir dele, e não de mim. Eu me torno mais empático. Às vezes a empatia que chamamos de colocar-se no lugar do outro é na verdade perceber o lugar do outro. A partir de onde ele fala, quais são as experiências dele, por que ele fala dessa forma?
E aceitar, algo que é muito importante, que nós somos diferentes. A acolhida também passa por essa compreensão profunda e radical de que não existe absoluta similaridade entre pessoas. Nunca teremos um mundo em que todo mundo vai pensar igual, sentir igual e mesmo pessoas próximas a mim são diferentes.
Reconhecer a diversidade faz parte do acolhimento?
Acolher significa ter sempre em vista esse dado da realidade, que é a diversidade. Ou eu aprendo a lidar com ela, ou serei uma pessoa em constante sofrimento. E colocarei outras pessoas em constante sofrimento, porque quem não lida com o diverso é alguém que sofre muito, visto que a diversidade bate na cara dela o tempo todo. E não tem solução para isso: o mundo é diverso.
É possível treinarmos para sermos mais acolhedores?
Sim, sem dúvida. Aristóteles dizia que as virtudes são fruto de uma prática. Ser uma pessoa acolhedora é uma prática também e, como qualquer prática, tem dias que estou mais disposto e outros não. Tem dias que estou mais irritado e com uma postura menos acolhedora, mas preciso me perceber e retomar o caminho. É a prática do convívio com o outro, e isso significa sempre, em alguma medida, abrir mão um pouco de mim - da minha opinião, da minha fala e do meu posicionamento. Escutar é um gesto de doação.
Os brasileiros são acolhedores?
Construiu-se ao longo do tempo a ideia desse homem cordial, dessa democracia racial brasileira, mas nós vemos, especialmente nos últimos anos com o acirramento de certas questões ideológicas, que somos um povo bastante agressivo. E é importante que a gente reconheça essa nossa violência e agressividade, precisamos trabalhar essa noção de tolerância e acolhida ao outro.