Quando o roteirista Jacob Galon, de 33 anos, decidiu realizar um teste de DNA para fins de ancestralidade, não poderia imaginar o quanto descobriria a respeito das próprias origens. Do lado paterno, chegou aos suevos, um dos povos bárbaros que invadiram o Império Romano no século V e se deslocaram para a Península Ibérica. Da linhagem paterna da mãe dele, soube que tem origens nos celta-alpinos, mais especificamente dos celtas gauleses que habitaram a região do Norte da Itália na antiguidade. “O curioso é que sempre gostei de música ou coisas de temática celta”, brinca.
Ele começou a fazer esses testes há quatro anos e não parou mais. Sempre que possível, realiza outro que seja ainda mais específico e que possa fornecer novas informações sobre a origem da família. Virou um entusiasta do que se chama genealogia genética, uma especialização que usa testes de DNA para determinar relações entre pessoas e encontrar parentes em comum a elas.
“Decidi fazer por pura curiosidade, de saber minha origem. Nunca tive a oportunidade de ir a fundo na busca documental. Mas o pouco que sabia da minha família, acabou se confirmando pelos testes”, conta Jacob, que se juntou às mais de 26 milhões de pessoas que haviam testado o próprio DNA nas quatro maiores empresas do ramo dos Estados Unidos até o fim de 2018 – o levantamento é do MIT Technology Review. Se o ritmo de crescimento dos últimos cinco anos se mantiver, serão mais de 100 milhões de testes realizados até o fim de 2020.
“Eu acho que é inerente à natureza humana querer saber de onde viemos. Quanto mais nós, como famílias, vivemos separados um do outro, mais desejamos ter conexão um com o outro”, diz a microbiologista e especialista em genealogia genética, Diahan Southard. Ela explica que a maioria busca descobrir as etnias que compõem o DNA e os mapas que entregam estimativas de porcentagens de cada uma delas. Por outro lado, há pessoas que usam os resultados do teste para complementar as pesquisas documentais, ou seja, a genealogia como se conhecia até então.
Seja qual for o objetivo ou nível de aprofundamento, o acesso a esses testes é cada vez mais fácil e barato. Por US$ 79 (aproximadamente R$330) é possível receber um kit em casa, coletar o próprio DNA de dentro das bochechas com uma espécie de cotonete, embalar, enviar ao laboratório e aguardar os resultados pela internet. O tipo mais simples é chamado de autossômico e consegue mapear quatro a seis gerações, dos lados paterno e materno. No fim, fornece um mapa com estimativas de etnias. Por exemplo, alguém pode ter 33% de origem na Península Ibérica, 19% nas Ilhas Britânicas, 13% na África Ocidental, e assim por diante.
Apesar de curioso e esclarecedor, esses números podem passar longe da realidade, com variações significativas entre laboratórios. “Quando você procura informações sobre etnia, geralmente vê lugares que não reconhece e sente que estão faltando. Há uma variedade de fatores que influenciam esses resultados. O importante é lembrar que essas são apenas estimativas e dependem muito das populações de referência, que são as pessoas com as quais a empresa está comparando você”, esclarece Diahan.
Há testes mais aprofundados que analisam uma parte específica do DNA e traça linhagens paternas (Y-DNA) e maternas (mtDNA), e vão mais longe no tempo e com mais precisão. Jacob, por exemplo, só chegou a seus ancestrais suevos e celtas graças ao Y-DNA. Esses testes se apoiam em partes do material genético que são passados de geração a geração sem qualquer modificação.
Matches
Mais que um mapa com estimativas ou linhagens específicas, os testes de DNA entregam ao usuário uma infinidade de parentes. Quando o laboratório finaliza a análise do material genético, ele é compartilhado na base de dados da empresa e comparado com o de outras pessoas que também fizeram o teste. E se elas compartilham um segmento idêntico de DNA, são considerados correspondências, no jargão, matches. Ou seja, são parentes de alguma forma. Quanto mais material em comum, mais próximos são.
Isso abre um novo mundo em relação à história da própria família. Um match pode ser simplesmente um primo de quinto ou sexto grau, mas também pode ser um primo que não se tinha conhecimento. Ou até mesmo um irmão ou tio desconhecidos, quem sabe. Não por acaso os laboratórios alertam de antemão que ao realizar o teste de DNA, algumas surpresas podem surgir. Em outros casos, há quem use esse artifício para tentar encontrar os pais biológicos.
Ao entrarem na base de dados, as pessoas podem se comunicar com as outras para tentar encontrar o elo comum. Em geral chega a esse ponto quem já estuda a genealogia da família e quer desatar algum nó ou avançar em algum ramo que ficou parado. “As correspondências de DNA podem fornecer pistas para ajudá-lo a decidir qual caminho genealógico você precisa seguir para encontrar seu ancestral”, esclarece Diahan.
Mas entrar em contato com pessoas desconhecidas pode ser um tanto quanto constrangedor, especialmente quando se trata de um match mais próximo. “Eu digo às pessoas para tratar esse primeiro contato como um primeiro encontro. Todo o objetivo desse primeiro encontro é obter um segundo encontro. O mesmo acontece com a nossa correspondência. O objetivo é levá-los a escrever de volta”, sugere a especialista.
Privacidade
Ao mesmo tempo em que os testes de ancestralidade ampliam o horizonte sobre a origem das pessoas, eles também trazem à superfície questões éticas e de privacidade. Ao compartilhar o material genético com uma empresa, perde-se o controle sobre eles, mesmo que os termos de privacidade prevejam que as informações não serão passadas para outras pessoas ou companhias.
A questão é que tais dados já são compartilhados. As forças policiais dos Estados Unidos, por exemplo, passaram a ter acesso ao material das empresas sediadas no país obedecendo a decisões da Justiça. Em alguns casos, assassinatos foram solucionados após os investigadores percorrerem as informações genéticas das pessoas que testaram o próprio DNA. Mas no momento em que isso veio à tona, os usuários foram pegos de surpresa. Rapidamente as empresas correram para atualizar suas políticas de privacidade, deixando claro que o material genético pode ser repassado às forças policiais. Por enquanto, essa é a única situação em que o compartilhamento é previsto.
Cada empresa tem um procedimento distinto, mas em geral permitem que o usuário apague todos os dados que estão com a companhia. Em alguns casos é possível pedir até mesmo a destruição do material genético que foi coletado.
“As pessoas têm que prestar atenção no que elas estão assinando e concordando, entender a política da empresa em relação à sigilosidade dos dados. Dependendo da situação, pode até buscar aconselhamento jurídico para entender no que aquilo implica”, alerta a advogada especialista em Bioética e presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-DF, Thaís Maia.
No Brasil, o assunto ainda está longe de ter uma previsão na legislação. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), aprovada ainda em 2018 durante o governo de Michel Temer e que vai entrar em vigor em agosto de 2020, não vai a fundo nas informações pessoais de saúde das pessoas. Isso gera uma incerteza em relação à atuação das empresas que realizam testes de DNA, tanto estrangeiras com filiais no Brasil como as sediadas em território nacional.
“A LGPD trata dos dados de modo geral, e como ela é tão genérica, não trata especificamente dados de saúde, apenas existe a menção. Por não ser especializada em dados de saúde, não temos uma delimitação do tipo de empresa que vai precisar se submeter à lei”, explica a advogada.
O certo é que as empresas terão os dados e a dificuldade será garantir que as informações não sejam compartilhadas, inclusive com a polícia, visto que não há previsão legal para tal. Por ser genérica, a LGPD também não especifica qual será o órgão responsável por fiscalizar a atuação das companhias. De qualquer maneira, a especialista aponta para a Constituição brasileira para tranquilizar os usuários. “Ainda que não tenhamos uma norma específica para isso, há questões mais abertas envolvidas, como direito à privacidade, que é uma garantia constitucional”, finaliza Thaís.
Qual fazer?
Existem três tipos de testes de DNA. Veja as características e as vantagens e limitações de cada um deles.
DNA autossômico
É a porta de entrada dos testes de ancestralidade, por isso é mais simples e mais barato. Ele analisa dados dos dois lados da família, do pai e da mãe, e avança entre quatro e seis gerações. No fim, fornece porcentagens étnicas e lista de possíveis parentes genéticos que tenham feito o mesmo teste e na mesma empresa. O exame autossômico pode ser feito por homens e mulheres.
mtDNA
O teste analisa um segmento de DNA dentro das mitocôndrias das células. Tanto homens como mulheres podem fazer o exame, mas o DNA mitocondrial é passado somente pelas mães. O resultado traça a linha materna e vai mais a fundo, ajudando a identificar de onde os ancestrais vieram e as rotas migratórias que realizaram ao longo do tempo. Por ser mais aprofundado e com correspondências mais precisas, é mais caro que o teste autossômico.
Y-DNA
Este teste analisa o cromossomo Y, que só os homens carregam. Dessa forma, somente homens podem fazê-lo. A grosso modo, um homem hoje tem o mesmo, ou quase o mesmo, Y-DNA que o pai, avô, bisavô e assim por diante. Por isso, o resultado traça a linha paterna do indivíduo, podendo recuar até 10 mil anos, e fornece informações migratórias, assim como o teste de DNA mitocondrial. É também o mais caro.
Onde fazer?
Os principais laboratórios, com as maiores bases de dados, estão fora do Brasil. Mas por aqui já há empresas que realizam o teste para fins de ancestralidade. No caso de encomendar kits de companhias estrangeiras, é preciso se informar sobre custos de frete e impostos de importação.
23andMe
www.23andme.com
Autossômico: US$ 99
Ancestry
www.ancestry.com
Autossômico: US$ 99
FamilyTreeDNA
www.familytreedna.com
Autossômico: US$ 79
mtDNA: US$ 199
Y-DNA: US$ 169 a US$ 649, dependendo do tipo
Genera
www.genera.com.br
Autossômico: R$ 199
Autossômico + mtDNA + Y-DNA: R$ 1.897
meuDNA
www.meudna.com
Autossômico: R$ 339
MyHeritage
www.myheritage.com
Autossômico: R$ 340