O que você faria se o guarda de uma prisão afirmasse que mataria seu filho e também um prisioneiro se você mesmo não matasse seu filho? Apesar de absurda, essa situação fictícia foi apresentada a centenas de estudantes da Universidade Estadual da Dakota do Norte, nos Estados Unidos, para verificar quais deles agiriam pela razão e quantos levariam em conta somente a emoção no momento de decidir.
Nesse estudo realizado em 2013, as pessoas que se consideravam emotivas tinham maiores chances de dizer que não obedeceriam o guarda, condenando duas pessoas à morte. Já os demais pensaram em salvar uma das vítimas com sua escolha e ainda apresentaram melhores resultados nos testes de conhecimentos gerais e em situações estressantes.
No entanto, isso não significa que sempre deixar o “coração” de lado na tomada de decisão seja algo positivo. De acordo com a psicóloga Iara Lais Raittz, pessoas extremamente racionais podem aparentar ter a vida totalmente resolvida, serem bem-sucedidas e confiantes, mas pagam alto preço por isso. “Não é possível racionalizar tudo, então as emoções que são ignoradas acabam atingindo o indivíduo de outras formas”, afirma.
“Não é possível racionalizar tudo, então as emoções que são ignoradas acabam atingindo o indivíduo de outras formas”.
No caso da perda de um ente querido, por exemplo, a especialista explica que ignorar sentimentos como a tristeza por meio de um processo de racionalização não a elimina do dia a dia. Com isso, as emoções podem aparecer por meio de diferentes sintomas e desencadear doenças como a depressão. “Algo que seria evitado se o indivíduo vivenciasse o processo natural do luto”, pontua Iara.
Da mesma forma, deixar a razão totalmente de lado também não é saudável e faz com que a pessoa insista em comportamentos que já trouxeram consequências negativas em relacionamentos anteriores, problemas no trabalho ou outras situações do dia a dia. “Por isso, é necessário ter consciência a respeito de quem nós somos para, então, conseguirmos equilibrar emoção e razão”, pontua a terapeuta.
Foi isso que a padeira Mônica Andrade, de 30 anos, decidiu fazer. Depois de abrir uma empresa movida pela emoção em 2015 e passar por um doloroso processo de falência, ela percebeu que precisaria ser mais racional ao realizar novos investimentos ou transações financeiras. “Comecei a me cobrar nesse sentido e deu certo”, afirma a moradora de Curitiba, que adquiriu sua casa própria este ano com “os pés no chão”. “Eu e meu esposo até queríamos realizar o financiamento antes para sair do aluguel, mas decidimos esperar para juntar um bom valor de entrada com o FGTS e conseguir uma parcela melhor”.
Segundo a psicóloga, o que fez a comerciate colocar razão e emoção na balança foi um processo de autoconhecimento, que ocorre por meio da observação atenta à própria maneira de agir. “A pessoa se observa, percebe seus movimentos e passa a entender a relação que o emocional e o racional têm em suas escolhas”, explica. Aos poucos, essa análise faz com que o indivíduo tenha consciência das situações em que precisa dosar melhor os dois fatores e, com isso, evite a repetição de erros.
Situações de estresse
Iara garante ainda que esse autoconhecimento auxilia o indivíduo a lidar com situações de estresse, assim como ocorreu com a gerente de seguros Simone Souza de Oliveira, de 35 anos. Moradora de Araucária, a paranaense garante que o equilíbrio entre razão e emoção foi decisivo para agir corretamente diante de um acidente grave envolvendo seu filho. “Ele estava com cinco anos e falaram que havia sofrido um traumatismo craniano. Eu tive que dosar muito bem o desespero que eu sentia e também a necessidade de procurar atendimento adequado e passar tranquilidade para ele”, relata a mãe.
De acordo com ela, a família estava reformando a casa e seu esposo decidiu demolir uma das paredes do andar superior com o auxílio do cunhado. “À medida que iam quebrando, eles colocavam o entulho no carrinho e jogavam pela ponta da sacada”, recorda. No entanto, um dos carregamentos atingiu o menino. “Tínhamos acabado de chegar em casa e o Gustavo saiu correndo do carro para falar com o pai. Aí, na hora que ele levantou o rostinho, eu vi de longe todos aqueles tijolos caírem em cima do meu filho. Ele deu um grito e desmaiou”.
Em desespero, a mãe correu para atender a criança, enquanto o pai pulou do segundo andar para socorrer o menino. “Tinha muito sangue na cabeça dele e, naquele momento de intenso nervosismo, tivemos que ser muito racionais para salvar nosso filho”, recorda Simone, que pegou os documentos da criança e a levou imediatamente ao hospital. “Meu esposo foi dirigindo, pegou o Gustavo nos braços e entregou aos enfermeiros”.
O primeiro exame realizado mostrou que a criança havia sofrido traumatismo, mas os pais mantiveram a calma e decidiram levar o filho a outro hospital para realizar uma tomografia. “Graças a Deus, saímos daquela sala de exames muito felizes porque não tinha nada, apenas escoriações”, conta a mãe, que hoje lembra do fato com gratidão e afirma ter aprendido a equilibrar suas emoções. “Consegui agir com razão naquele momento tão difícil e, apesar de ser bastante emotiva, aprendi com a experiência e tenho colocado em prática”, garante.
Equilíbrio perfeito?
Segundo a terapeuta, esse aprendizado individual é importante porque cada ser humano tem suas características para lidar com as circunstâncias e não há um manual de instruções para conseguir o equilíbrio perfeito entre razão e emoção. “Isso estaria no campo da idealização e do impossível”, afirma.
Portanto, cada pessoa deve buscar a melhor dosagem para os dois de acordo com a sua personalidade. “Lembrando que a psicoterapia também é preventiva e pode ajudar nesse processo de autoconhecimento”, afirma Iara.
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