É quase impossível entrar no Facebook ou Instagram sem ver citações ou comentários acompanhados de palavras motivacionais, como "Olhe pelo lado bom", "Concentre-se nas coisas boas" ou "Seja positivo".
Siga o Sempre Família no Instagram!
No mínimo, a pandemia exacerbou o fenômeno da "positividade tóxica". Em Québec, no Canadá, a famosa frase de efeito “Vai ficar tudo bem” é, sem dúvida, um dos exemplos mais conhecidos disso.
Embora bem intencionadas, essas frases podem acabar criando mais angústia em vez de ajudar. Por que? Porque são exemplos de positividade tóxica, uma escola de pensamento que opera com base no princípio de que sempre se deve ter uma atitude positiva, mesmo quando as coisas ficam difíceis.
Como estudante de doutorado em psicologia, estou interessada em sintomas internalizados (depressão, ansiedade e retraimento social) e sintomas externalizados (delinquência, comportamentos violentos, de oposição, perturbadores e impulsivos). Acredito que seja importante focar nas consequências negativas da “invalidação emocional” e entender por que precisamos conviver com nossas emoções negativas.
Invalidação emocional
Quando uma pessoa fala sobre o que está sentindo, seu principal objetivo geralmente é validar suas emoções, compreender e aceitar a experiência emocional. Em contraste, a invalidação emocional envolve ignorar, negar, criticar ou rejeitar os sentimentos de outra pessoa.
Vários estudos analisaram os efeitos da invalidação emocional. As conclusões são claras: é muito prejudicial para a saúde mental. Pessoas que experimentam invalidação emocional têm maior probabilidade de apresentar sintomas depressivos.
A invalidação emocional tem muitos efeitos negativos. Uma pessoa que é regularmente invalidada pode ter dificuldade em aceitar, controlar e compreender suas emoções.
Além do mais, as pessoas que esperam que suas emoções sejam invalidadas têm menos probabilidade de exibir flexibilidade psicológica, que é a capacidade de tolerar pensamentos e emoções difíceis e de resistir a se defender desnecessariamente.
Quanto mais flexibilidade psicológica uma pessoa tem, mais ela consegue conviver com suas emoções e superar situações difíceis. Por exemplo, após uma separação, um jovem sente raiva, tristeza e confusão. Seu amigo o ouve e o valida. O homem então normaliza seus sentimentos conflitantes e entende que os sentimentos não durarão para sempre.
Em contraste, outro homem passando pelo mesmo tipo de separação não entende seus sentimentos, sente-se envergonhado e tem medo de perder o controle de suas emoções. Seu amigo o invalida e não o escuta. O homem então tenta suprimir suas emoções, o que cria ansiedade e pode até levar à depressão.
Esses dois exemplos, extraídos do estudo “Processos subjacentes à depressão: aversão ao risco, esquemas emocionais e flexibilidade psicológica”, elaborado pelos psicólogos e pesquisadores americanos Robert L. Leahy, Dennis Tirch e Poonam S. Melwani, não são nem raros, nem inofensivos. A reação de evitação, que envolve fazer todo o possível para evitar experimentar emoções negativas, é frequentemente amplificada pelas pessoas ao nosso redor.
Algumas pessoas são tão afetadas pela infelicidade de outras que apenas ver essa tristeza as torna infelizes. É por isso que eles reagem fazendo comentários positivos. No entanto, a capacidade de conviver com nossas emoções é essencial. Suprimi-las ou evitá-las não resolve nada. Na verdade, tentar evitar as emoções negativas a todo custo não produz o efeito desejado - pelo contrário, as emoções tendem a retornar com mais frequência e intensidade.
Ser negativo: um estado de espírito com origens antigas
Infelizmente, os humanos não são projetados para serem positivos o tempo todo. Pelo contrário, é mais provável que tenhamos lembranças ruins. Isso provavelmente remonta a uma época, muito tempo atrás, quando nossa sobrevivência dependia de nosso reflexo para evitar o perigo. Uma pessoa que ignorava os sinais de perigo, mesmo uma vez, podia acabar em uma situação catastrófica ou até mortal.
Neste artigo, “O mal é mais forte do que o bem”, os autores, ambos psicólogos, explicam como, na história da evolução, os organismos que eram mais capazes de identificar o perigo tinham maior probabilidade de sobreviver às ameaças. Portanto os mais alertas entre os seres humanos têm maior probabilidade de transmitir seus genes. O resultado é que, de certa forma, somos programados para prestar atenção a fontes potenciais de perigo.
Como o viés da negatividade se manifesta
Este fenômeno é conhecido como viés de negatividade. Uma pesquisa identificou quatro manifestações desse preconceito que nos permitem entendê-lo melhor. Uma dessas manifestações está ligada ao vocabulário que usamos para descrever eventos negativos.
Em um fenômeno denominado diferenciação negativa, verifica-se que o vocabulário que temos para descrever eventos negativos é muito mais rico e mais variado do que o vocabulário usado para descrever eventos positivos. Além disso, os estímulos negativos são geralmente interpretados como mais elaborados e diferenciados do que os positivos.
O vocabulário usado para descrever a dor física também é muito mais complexo do que o usado para descrever o prazer físico. Outro exemplo: os pais acham mais fácil julgar as emoções negativas de seus bebês do que suas emoções positivas.
Não há mais frases pré-fabricadas
As emoções negativas são um produto da complexidade humana e são tão importantes quanto as positivas.
Na próxima vez que alguém confidenciar a você sobre suas emoções, se você não souber o que dizer, opte por ouvir e validar emocionalmente. Use expressões como "Parece que você teve um dia difícil" ou "Foi difícil, não foi?".
É importante notar que ser positivo nem sempre é sinônimo de positividade tóxica - cujo objetivo é rejeitar e evitar tudo que é negativo e ver apenas o lado positivo das coisas. Um exemplo de linguagem positiva e de validação é: “É normal se sentir como você se sente depois de um evento tão sério, vamos tentar entender isso”. Positividade tóxica, por outro lado, soa mais como, “Pare de ver o lado negativo, pense nas coisas positivas”.
Por fim, se você não conseguir validar e ouvir, encaminhe a pessoa a um profissional de saúde mental que saberá como ajudá-la.
* Andrée-Ann Labranche - Candidata ao doutorado em psicologia, Universidade do Quebec em Montreal (UQAM)
©2021 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.