Aprender a dividir e compartilhar é uma das primeiras lições que recebemos na infância, mas será que é necessária? Um estudo norte-americano, por exemplo, sugere que o altruísmo seria uma característica inata ao ser humano, e que poderia ser aumentado, ou diminuído, conforme as relações sociais que mantemos ao longo da vida.
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A pesquisa, realizada no Instituto de Ciências do Aprendizado e do Cérebro da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, observou como 96 bebês, de um ano e sete meses, respondiam diante de situações em que poderiam ser altruístas.
Para tanto, os pesquisadores criaram um cenário em que um adulto era colocado atrás de uma mesa com uma fruta na mão. A criança era disposta em frente à mesa, com fácil acesso a uma bandeja, da qual o adulto não alcançava.
Em um determinado momento, o adulto derruba a fruta na bandeja e, no primeiro experimento, demonstra à criança – sem fazer uso de palavras – que gostaria de ter o alimento de volta. Os pesquisadores usaram frutas que são chamativas para os bebês dessa idade, como uva, banana e morango (todas cortadas e limpas) de forma a aumentar o desejo deles pelo alimento.
O resultado foi que, mais da metade (58,3%) das crianças pegou a fruta e devolveu ao adulto, demonstrando que a característica do altruísmo faria parte da constituição do ser humano. Para comprovar os dados, a pesquisa ainda avaliou a reação dos mesmos bebês em um período específico do dia: quando eles estivessem com fome.
Embora fosse uma taxa menor que em relação ao primeiro experimento, 37,5% das crianças – com fome – devolveram a fruta ao adulto, e não a comeram ou a levaram aos pais. Os pesquisadores destacam ainda que a criança, ao contrário do adulto, tinha liberdade para sair daquele espaço com a fruta, mas boa parte não o fez.
No grupo chamado controle, os bebês passavam pela mesma experiência, com a diferença que o adulto não demonstrava, após descartar a fruta, qualquer interesse em tê-la de volta.
Somos altruístas por natureza?
O estudo, publicado no periódico Scientific Report, do grupo da revista científica Nature, mostrou que bebês antes do segundo ano de vida, mesmo quando dão sinais de estar com fome, conseguem compartilhar altruisticamente (de forma espontânea, robusta e repetidamente) um alimento natural de alto valor nutricional a uma pessoa estranha à eles.
"Nós especulamos que certas práticas e valores na infância (como, por exemplo, o ambiente familiar que enfatiza a conexão e o comprometimento entre si mesmo e os outros) transmite a expectativa às crianças, de que as pessoas tendem a ajudar umas às outras, e pode gerar nas crianças uma sensação de obrigação interpessoal para com os humanos em necessidade", explicam os pesquisadores no artigo que detalha a pesquisa.
"Nesse sentido, experiências sociais precoces em ambientes familiares podem ser facilitadoras de um sistema psicossocial que alimenta a expressão do potencial humano altruísta", completam.
Altruísmo, de acordo com a literatura acadêmica da área de Psicologia, pode ser visto como um traço da personalidade humana ou algo intrínseco ao ser humano, conforme explica Valdiney Veloso Gouveia, psicólogo, doutor em Psicologia Social, e professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E, embora seja um traço da personalidade, pode ser modificado conforme as relações sociais que experimentamos.
"Como qualquer traço de personalidade, o altruísmo pode ser alterado, embora seja resistente à mudança. O que pode aumentar ou diminuir é a convivência, os ensinamentos, o aprender a se colocar no lugar do outro, ou o que se conhece melhor por ter empatia", argumenta. "Se você tem mais convivência com pessoas que pensam dessa forma, é provável que você, em alguma medida, aumente esse altruísmo", explica.
Conforme o psicólogo, uma pessoa altruísta não muda a característica conforme a situação em que se encontre – ela tende a ser altruísta independentemente de quem esteja em necessidade ou perigo. Isso não significa que não existam "graus" de altruísmo.
"Todos nós apresentamos traços de altruísmo, mas uns têm mais, outros menos. A essência humana é de se colocar no lugar do outro, embora em alguns casos, como os psicopatas, essa característica seja inexistente", explica Gouveia.
Aqueles que são extremamente altruístas, e eles existem embora não sejam a maioria, não têm consciência das próprias atitudes e não evitam se colocar em situações de risco. "Ela não pensa nos benefícios e nem nas consequências. Se ela vê um carro pegando fogo, ela vai até lá e ajuda, sem olhar para o perigo", afirma.
"Dificilmente vamos ter uma sociedade extremamente altruísta, mas é possível fomentar programas sociais que endossem esse traço, que recompensem de uma forma ou de outra. O altruísmo deveria ser valorizado como uma conduta nobre, e falta isso. Os pais, hoje em dia, não convivem tanto com os filhos. Dos estilos parentais, hoje há muitos casos do permissivo, do negligente, daquele que cuida sem autoridade", explica.
Bebês altruístas
No caso dos bebês do estudo, que demonstraram, em maioria, a característica do altruísmo, outra questão pode ser levada em consideração, de acordo com Ana Suy Sesarino Kuss, psicanalista, escritora e professora do curso de Psicologia da PUCPR.
"No campo dos animais, há o instinto que faz com que eles tenham uma relação com o alimento que está relacionada com a sobrevivência. Nos humanos, não há isso. O bebê humano não nasce pronto para viver, é preciso ter um cuidado maior, que não é apenas físico, mas também passa pelo amor", explica a professora.
Isso faz com que, ao lado das necessidades físicas, o que mantém a sobrevivência humana é a relação com o outro, a criação de um lado. "A alimentação não tem uma função apenas de manter a vida, mas de criar um laço com o outro. Até depois, na vida adulta, as pessoas se reúnem para comer. E as crianças ainda estão nesse momento em que o cuidado do adulto é muito intenso, e é mais fácil para ela querer amar e alimentar o outro", finaliza.