Firmin DeBrabander*, The Conversation
Quando usuários do Instagram começaram a publicar a hashtag #weekiversary – algo como “semanersário” – em posts onde eles marcam a duração de seus romances, o The New York Times publicou um artigo em que explicou as consequências desses “semanersários”. Segundo eles, esse fenômeno faz duvidar da intensidade desse tipo de relacionamento.
Além disso, essa prática tem consequências na vida emocional de pessoas que não estão em um relacionamento. Estas se perguntam por que seus parceiros não são igualmente esperançosos e sempre ativos, como aqueles das fotos. Alguns até admitiram que esse fenômeno os levou a permanecer em relacionamentos por mais tempo do que deveriam, apenas para manter as aparências.
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Na verdade, isso poderia se aplicar a qualquer uma das plataformas de mídia social, onde as pessoas sentem cada vez mais a necessidade de agir em tempo real em público, demonstrando cada evento e incidente, não importa se aquele fato é importante ou não para a sociedade.
Como filósofa pesquisando o tema da privacidade, me vi pensando na admirável nova cultura do compartilhamento digital. O que se diz sobre o amor, que muitos são obrigados a viver de maneira detalhada?
Por que mostrar o amor?
Por um lado, não há nada de novo aqui. A maioria de nós procura a aprovação dos outros – mesmo antes da nossa, às vezes. A aprovação de outros ou a inveja, torna nossa alegria mais doce. O filósofo Jean Jacques Rousseau reconheceu algo assim quando distinguiu entre “amour de soi” e “amour propre” – duas formas diferentes de amor próprio.
As opiniões dos outros mudam rapidamente e não criam um alicerce firme para um amor-próprio honesto, duradouro e confiante.
O primeiro é o amor que é instintivo e não auto reflexivo. Rousseau via isso no homem presbiteral, que não está preocupado com o que as outras pessoas pensam dele. Em grande parte, ele se ama incondicionalmente, sem julgamento. Mas, a sociedade complica nossas vidas irremediavelmente ao introduzir o “amour propre”. Isso é amor próprio mediado pelos olhos e opiniões dos outros.
O “amour propre” na visão de Rousseau, é profundamente falho. É oco, frágil, se não apenas fraudulento. As opiniões e julgamentos dos outros mudam rapidamente e não criam um alicerce firme para um amor-próprio honesto, duradouro, confiante e para qualquer emoção relacionada ou enraizada nele.
Isso sugere uma visão desfavorável dos “semanersários”. Eles são apenas um modo de saciar a necessidade do “amour propre”? De cumprir a aprovação e alimentar a inveja de testemunhas online? Eles são apenas para o parceiro? Ou para afirmação pública?
Fazendo a curadoria de nossas histórias de vida
Existe uma maneira mais positiva de entender esse comportamento nas redes sociais? O filósofo Paul Ricoeur argumentou que os seres humanos têm uma necessidade muito peculiar de ver suas vidas de maneira narrativa. Esta é a primeira maneira com a qual uma pessoa compreende o sentido de sua existência no mundo.
Especificamente, é assim que o indivíduo pretende-se projetar na vida com um começo, um clímax e, esperançosamente, uma conclusão apropriada. Ele também deseja situar sua história de vida dentro de uma narrativa maior, seja ela social, histórica ou cósmica.
Acredito que a rede social nos dá novos poderes para fazer organizarmos e administrarmos a história de nossas vidas e, se necessário, a possibilidade de mudar personagens, tramas ou temas de fundo, como e quando queremos. Ao documentar eventos e ocorrências cotidianas, podemos até mesmo elevá-los e dar-lhes um grau de significância.
Então, pode parecer perfeitamente natural que as pessoas gostem de narrar o início de seus romances. Agora estou muito feliz e casada, mas lembro como o primeiro amor é estimulante e confuso. É uma bagunça de emoções para se trabalhar e entender. Entre as diversas mensagens emitidas pela família, pela sociedade e pela mídia, muitas vezes é difícil saber qual a melhor maneira de navegar no romance e determinar se você está fazendo as coisas da maneira certa – ou se realmente encontrou “o verdadeiro amor”.
Na verdade, procurei controlar tudo escrevendo meus pensamentos. Isso ajudou a me dar clareza. Isso concretizou meus pensamentos – eu literalmente os projetei no papel diante de mim, e pude entender melhor quais eram mais ressonantes, poderosos e urgentes.
Amor e insegurança
As redes sociais, por outro lado, não são projetadas para introspecção ou exame de consciência: os posts devem ser relativamente curtos, atraentes e declarativos. As mensagens no Twitter toleram apenas 280 caracteres, por exemplo. Ambiguidade não tem lugar aí. A rede social não é o lugar para se misturar com uma série de emoções conflitantes. Você está apaixonado ou não está – e se estiver apaixonado, por que declará-lo se não for feliz?
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Como o Facebook descobriu, postagens negativas tendem a perder seguidores – e muitas pessoas querem manter a audiência. O estudioso jurídico Bernard Harcourt argumenta que o compartilhamento de rede social evoca a grande tradição americana de empreendedorismo. A partir dessa perspectiva, ao criar “semanersários”, os indivíduos estão criando uma identidade e uma história – eles estão gerando uma marca que podem comercializar amplamente.
É difícil ver como esse fenômeno contribui para relacionamentos duradouros e satisfatórios. Se, por exemplo, como diz Ricoeur, as efusões das redes sociais são uma tentativa de elevar o sentido mundano, o simples, o cotidiano, e dar-lhe um significado especial, surge a pergunta: por que sentir a necessidade de fazer isso repetidamente? Eu diria que isso demonstra um ar de insegurança. Afinal, toda a afirmação de que se precisa deve vir do seu parceiro.
O amor verdadeiro
Existe uma necessidade compreensível de jovens que namoram de pronunciarem sua alegria em público. Mas o amor, quando amadurece, não vive publicamente. Casais que se amam verdadeiramente não são facilmente encontrados em demonstrações públicas de seu afeto. Penso nos meus pais e nos meus sogros, casados há quase 50 anos. Eles podem se sentar em um silêncio confortável por um longo tempo. Eles também podem se comunicar uns com os outros sem dizer uma palavra.
O amor é em grande parte um relacionamento privado e exige intimidade. Apenas na intimidade a obscuridade própria ou a complexidade do amor emergem. Apenas na intimidade você e seu parceiro são totalmente vistos e conhecidos, com todas as suas deficiências ou contradições – e elas são perdoadas. É nesses momentos íntimos que os amantes aprendem a tolerar a obscuridade, a negociar as diferenças e a resistir.
*Professor de Filosofia no Maryland Institute College of Art.
Tradução de Janaína Imthurm.
©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.
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