Assim como com qualquer outra minoria social, não é aceitável alguém dizer publicamente que não gosta de crianças.| Foto: Nathan Dumlao/Unsplash
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Pode até ser aceitável alguém não gostar de determinadas características das crianças, como serem barulhentas, mal-educadas ou agitadas, ou até mesmo, por motivos pessoais, não ter simpatia por alguma criança específica. No entanto, isso é bem diferente de, simplesmente, rejeitar todas as pessoas com até doze anos de idade, principalmente se isso também significa evitar a convivência com elas em ambientes públicos.

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Assim como com qualquer outra minoria social, não é aceitável alguém dizer publicamente que não gosta de crianças, pontua Andreia Moessa Coelho, psicóloga, pós-graduada em psicanálise, perinatalidade e parentalidade.

Aceitar e abrir espaço na sociedade para não se gostar de crianças, segundo Andreia, fragilizaria a solidariedade, tão importante no laço social. “A maioria das pessoas é absolutamente solidária à fragilidade de uma criança, que é nitidamente vulnerável”, acrescenta ela.

“Em tempos em que os laços sociais estão fragilizados, é necessário que tenhamos responsabilidade de mantê-los em prol da sociedade e boa convivência entre todos”, destaca a psicóloga.

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Importante analisar as circunstâncias

Claro que se deve ter o cuidado de analisar em qual contexto a fala “não gosto de crianças” foi dita, alerta Julia Gitirana, doutora em políticas públicas e professora de Direito Constitucional.

“Em um diálogo, quando se manifesta a falta de desejo de se ter filhos ou qualquer outro comentário pessoal que acaba sendo justificado pela ausência de simpatia com as crianças, juridicamente não é repudiável”, exemplifica a professora.

Contudo, quando há a utilização da justificativa de não gostar de crianças e, com isso, busca-se uma estratégia para cercear ou limitar os direitos da criança, ela se torna uma frase problemática. Segundo Julia, essa justificativa não é constitucionalmente legítima.

“Inclusive, é um discurso que tem no limite uma estratégia de objetificação da figura da criança, deixando de encará-la como um sujeito detentor de direitos e deveres perante o estado, perante a sociedade e perante a família”, esclarece.

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Criança é um sujeito de direitos

Angela Mendonça, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e Adolescentes do Paraná, explica que o Estatuto da Criança e do Adolescente considera a criança como um sujeito de direitos. Portanto, garante-lhe os direitos fundamentais inerentes a qualquer pessoa, devendo a família e a sociedade assegurar a efetivação de tais direitos.

“Quando a lei fala que é dever de todos velar pela dignidade das crianças, não permite nenhum tipo de exceção ou prerrogativa de foro pessoal. Gostar ou não de criança é de natureza subjetiva e pessoal, mas aceitá-las, conviver e respeitá-las é um dever universal”, afirma Angela.

Historicamente, conta Julia, o próprio Código do Menor tratava a criança como um objeto. Mas com o advento da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, os pequenos ganharam direitos como qualquer outra pessoa de faixa etária diferente.

Discriminação

Não gostar de crianças, segundo Andreia, é uma discriminação baseada na faixa etária, assim como a discriminação por etnia, classe social, credo e tantas outras, correspondendo a um desrespeito com a humanidade. “Se de um lado é uma prerrogativa pessoal, de outro lado não pode ser uma conduta social aceitável”, destaca também Angela.

O Estatuto da Criança e do Adolescente condena o preconceito com a minoria etária, já que assegura que os direitos devem ser garantidos para todas as crianças, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia, ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.

Um ditado africano diz que para se criar uma criança é preciso uma aldeia inteira.  Com base nisso, Andreia acredita que se todas as pessoas se sentissem responsáveis por contribuir com a criação das crianças, ofertando cuidado e segurança, a falta de empatia e discriminação com elas seria minimizada.

Como aprender a lidar com as crianças

O mal-estar de conviver com as crianças, segundo Andreia, provavelmente está relacionado com como a própria infância foi vivida, podendo ser trabalhado num âmbito privado.

“Ainda que a conduta seja repudiada, a pessoa que diz não gostar de crianças não deve ser objeto da discriminação e crítica, mas sim de acolhimento, pois a dificuldade normalmente tem relação com sua própria história na infância”, ensina Silvana Calixto, psicóloga especialista em terapia familiar.

A criança é sinônimo de alegria, liberdade, espontaneidade e criatividade. Portanto, relações contrárias a tais comportamentos, normalmente vêm de uma educação repressora, austera ou crítica que de alguma forma o indivíduo internalizou e manteve enquanto adulto, explica a terapeuta familiar.

Dessa forma, sugere-se para as pessoas que têm dificuldade de relacionar-se com crianças que, inicialmente, avaliem como foi sua própria infância, resgatando as coisas que gostava de fazer, comer e assistir, a fim de entender sua criança interior e possibilitar a cura de algum trauma vivido.

“Para toda pessoa que tem dificuldade com criança e quer mudar isso, um bom exercício é conversar consigo mesmo, tentar lembrar como era quando criança e fazer as pazes, quando adulto, com sua criança interior, permitindo que se relacione com crianças reais a sua volta”, orienta Silvana.