Este é um fim de ano de reencontros. Embora muitas famílias já tenham retomado a rotina de visitas há algum tempo, a possibilidade de celebrar o Natal e a chegada de um novo ano juntos novamente traz grandes expectativas.
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Alguns de nós absorveram os impactos da pandemia com mais facilidade, outros sofreram fortes traumas; teve quem se acostumasse a estar mais distante e outros que não. Mas uma coisa é certa: lembramos e relembramos que não fomos feitos para estamos sozinhos. Precisamos estar juntos.
Foram 20 meses de cuidados e, para muitos, distanciamento social. A jornalista Lara Pessôa e o namorado decidiram em março de 2020 que eles se cuidariam o máximo possível e fariam o mesmo com a família e amigos.
Os primeiros reencontros do casal só aconteceram no fim de outubro de 2021, quando já imunizados com duas doses da vacina, sentiram mais segurança para reuniões. "Uma coisa sempre esteve clara: não flexibilizaríamos nada até tomar as duas doses da vacina. Tínhamos e ainda temos medo da pandemia, em não saber como cada organismo reage. Vimos amigos bem debilitados e familiares que ficaram bem depois da doença", diz Lara.
No ano passado as festas de fim de ano do casal foram em casa, em Curitiba, só os dois. "A minha família não mora aqui e enfrentar aeroporto e rodoviária estava fora de cogitação na época, porque não tinha acesso à vacina", conta a jornalista. Neste ano, porém, toda a família dela, que mora espalhada pelo Brasil retomará a tradição de se encontrar na casa de uma das tias, no Rio de Janeiro. "Eu sou a sobrinha mais nova e ainda não recebi a dose de reforço. Meus tios, e parte da família que é da área da saúde, já estão com a terceira dose, e por isso nos sentimos mais tranquilos para estarmos juntos", diz.
Essa tranquilidade de Lara é a mesma compartilhada por muitos neste fim de ano, por isso a expectativa pelos reencontros é grande. Mas apesar dos laços de sangue, sabemos que somos indivíduos e assim sendo, cada um absorveu a pandemia de maneira diferente. Em uma mesma família é possível que alguns tenham optado por expressar o cuidado mantendo-se distantes presencialmente, e outros escolheram não afastar-se totalmente. E é por isso que as festas de fim de ano e todo o 2022 devem ser pautados pela empatia, respeito e acolhimento.
"Nós não somos os mesmos. A pandemia, o distanciamento, as perdas deixaram marcas em todos nós. Cada um de nós trará para as celebrações uma dor, um aprendizado, uma mudança", explica a psicóloga clínica Luiza Helena Rocha. Ela lembra que sempre fomos únicos e mudamos ao longo do tempo, só que desta vez é diferente, porque não acompanhamos de perto as mudanças que aconteceram no outro. "Precisamos nos reencontrar com o espírito de um primeiro encontro, procurando ouvir, entender, sentir e acolher o outro. Que possamos buscar a alegria no abraço, no sorriso, no olhar", diz.
Reencontros leves sem assuntos controversos
E esse afeto é mais do que necessário para recarregar as baterias que ficaram um pouco fracas com o distanciamento. "Quem já teve a possibilidade do reencontro com o grupo familiar, provavelmente percebeu que os afetos e sentimentos se acentuaram. As falas saudosistas estão presentes, na tentativa de organizar as memórias e trazer registros de prazer, segurança e algum amparo social", enfatiza Paula Letícia Fernandes Pereira Siqueira, professora de psicologia na Uninter, ressaltando que este não é para ser um momento de cobranças, mas de lembrar-se do que cada um fez como o que tinha à disposição.
"Vejo que as pessoas já estão muito animadas e que com praticamente tudo liberado, irão com sede ao pote. Mas se quiserem ter um encontro verdadeiro, devem excluir da conversar temas como política e outros assuntos controversos", emenda a orientadora familiar Lelia Cristina de Melo.
Ela acredita que as famílias tenderão a se respeitar sim, porque o distanciamento fez com que se valorizasse a presença do outro. A especialista faz inclusive um alerta: "cuidado com o excesso de bebidas. Não pelas razões de saúde já conhecidas, mas para evitar frases infelizes que vêm com a anestesia do álcool".
E se há quase dois anos temos vivido com o constante lembrete de que precisamos cuidar dos outros usando máscara, fazendo o distanciamento social quando possível e higienizando as mãos – atos que devem continuar no nosso check list durante as confraternizações de família agora e em 2022 – precisamos olhar mais atentamente agora para a saúde emocional.
Parece uma recomendação óbvia. Entretanto, é imprescindível que sejamos gentis e empáticos com os que nos cercam e devemos lembrar que a dor é singular, como explica a professora de psicanálise da Uninter, Juliana dos Santos Lourenço. "Haverá pessoas que tiveram perdas muito significativas e que poderão estar se sentindo bem para essas datas comemorativas. Como também, pode haver outras pessoas que aparentemente tiveram perdas menores, mas que não vão estar bem para as festas de fim de ano". Lembrar-se de não julgar o estado de ânimo daquele familiar que lhe parece um estranho agora, e optar por acolhê-lo até mesmo com o silêncio, é um importante passo para o fortalecimento dos vínculos que podem ter se perdido desde o início da pandemia.
Ter calma e respeitar o tempo do outro, esforçando-se para refazer laços no dia a dia é fundamental para que não seja nada forçado e apostar que em 2022 os encontros serão mais frequentes, mais seguros e melhores.
Reencontro intergeracional
A pandemia fez com que idosos e crianças se afastassem por longos períodos. Nem todas as famílias se sentiram tranquilas em unir as diferentes gerações em um mesmo espaço, até que novas informações sobre a transmissibilidade da doença fossem aparecendo e a vacinação começasse. Esse distanciamento afetou-os sobremaneira.
O resultado disso é que, nos últimos meses, crianças e adolescentes têm mostrado os reflexos das restrições sociais e diversos hospitais pediátricos ao redor do mundo relataram um aumento de 100% nas admissões por problemas de saúde mental, mais de 200% de aumento nas admissões por uso de substâncias e tentativas de suicídio.
Os idosos em suas casas ou aqueles asilados sofreram muito também, ainda que suas famílias buscassem maneiras de se fazerem presentes virtualmente. Então, após a vacinação começaram a retornar atividades da rotina e, mesmo com as recomendações sanitárias trazendo lembranças da pandemia, a proximidade com familiares e amigos gera sensação de bem-estar e reduz a chance de alterações no comportamento e transtornos de humor, como depressão e ansiedade.
"As crianças e os idosos, mais do que todos, precisam desse reencontro. As pequenas porque aprendem e se desenvolvem nas relações. Os idosos porque é onde sentem que construíram algo, que valeu a pena. É desse encontro que tiram a energia para a viver", afirma a psicológoa Luiza Helena Rocha.
Um ensaio para 2022
O que deve ficar para 2022 é a valorização da pessoa humana, do outro, segundo Lelia Cristina de Melo. "Precisamos sair das festas com esperança e continuar o aprendizado de dar sentido às relações humanas. Porque mesmo com a família dentro de casa não fomos criados para sermos assim, só nós. Faltaram os amigos e mesmo os colegas. Os novos encontros tem de ser mais sinceros e calorosos".
Para Lara Pessôa e o namorado, a expectativa para 2022 é altíssima. Ela conta que, por incrível que pareça, a pandemia uniu muito mais sua família, porque foi preciso estar muito mais em contato virtualmente para cuidar uns dos outros. "Foi ótimo estar em contato assim, mas nada substitui o contato físico. Agora é a oportunidade de agradecimento e voltamos a uma "nova normalidade" como foi em 2019, confraternizando na casa da tia. Vamos estar juntos e ressignificar o que achava importante, mas que no fundo o importante é estar com quem se ama. Aproveitar o hoje, o presente e estar presente".
"Se houve algum ganho nessa pandemia, podemos dizer que foi em relação a reavaliação dos nossos valores, pois entendemos, agora, que é preciso dar mais atenção para esses momentos em família", diz a psicóloga Juliana dos Santos Lourenço. "O amor apresenta novos caminhos e o desejo chama a existência de uma nova realidade. De que forma posso investir em quem eu amo?", finaliza Paula Letícia Fernandes Pereira Siqueira.