Diferente do que um dia se enalteceu, jeitinho virou praga de uma sociedade corrompida pelo individualismo. Deturpada de seu conceito original, assumiu conotação pejorativa e, romanticamente banalizada, perdeu a égide de virtude de um povo hábil em encontrar soluções até para os problemas mais difíceis. O tal jeitinho hoje desvirtuado virou recuso ao cumprimento de regras. Pouco a pouco, tudo parece passível a relativizações a egocêntricos que não insistem em sobrepujar interesses individuais sobre os coletivos em benefício e desejo próprios.
Assim vivo e vejo acontecer situações esdrúxulas – e aviltantes – de completo escárnio a regras básicas de convívio em sociedade civilizada. Autocentrados ufanados em defender seus direitos descaradamente surrupiam os alheios se vangloriando da habilidade pessoal de reverter situações adversas. O jeitinho brasileiro cresceu e virou erva daninha em terreno fértil. Nesta versão adulterada, infelizmente nutrimos a praga nos silenciando e passivamente a assistindo desgraçar toda uma safra feita para dar bons frutos. Sou mãe de adolescentes e, particularmente, não estou aqui para desperdiçar meu esforço tampouco perder a plantação a mim confiada e com a qual me comprometi a cuidar; sou lavradora dedicada a potencializa-la e, quiçá, torná-la melhor que a anterior.
O jeitinho cotidiano
A ideia de se valer do jeitinho para contornar adversidades induz a todos, inclusive a filho adolescente, a crer nela como virtude fundamental ao ser humano. Não à toa isso acontece: conscientemente ou não, damos motivos que corroboram com esta imagem deturpada do jeitinho entranhado em nossa cultura.
Na busca por emprego, por exemplo, o entrevistador pergunta: "É fluente em inglês?" E o outro responde: "Não mas dou meu jeitinho quando necessário". Até hoje me pergunto o significado disso. No trânsito, o guarda repreende: "Senhora, sabe que é proibido estacionar em fila dupla?" e ouve "Ah, seu guarda... parei rapidinho só pra pegar uma encomenda ali". Até o filho alerta espantado: "Mãe, o sinal tá fechado!"; "Ah, filho, todo mundo faz isso aqui..." “Tudo me é permitido... mas nem tudo me convém" (1Cor 6). Desprezamos a segunda parte desta sábia frase. Não preciso ser religiosa para entender, aceitar e ponderar: preciso ter senso de cidadania.
O livre arbítrio me dá a liberdade de escolha e viver em sociedade, o dever de civilidade. O jeitinho sofreu mudanças. Hoje ultrapassa limites, usurpa direitos alheios, corrompe. Pelas lentes embaçadas insistimos em aceitar o jeitinho como virtude até quando evidencia o contrário. Cegos – ou tolerantes? – abrimos terreno ao crescimento desregrado de erva daninha em nossa sociedade. Não nos enganemos: jeitinho é praga e traiçoeiramente confunde e mina nossos esforços de dar bom fruto para o mundo.
"Não são as más ervas que sufocam a boa semente mas o lavrador negligente."
Todos somos lavradores: em casa, na comunidade, na sociedade em que vivemos. Quando entendemos esta função, compreendemos a enorme responsabilidade de ser e dar bom fruto ao mundo. Como pais de adolescente, o dever é também missão de formar outros lavradores comprometidos com o bom resultado; quiçá melhores e mais competentes que os anteriores.
As circunstâncias, de fato, mudaram e complicaram um pouco mais nosso cultivo. Porém, ser lavrador sempre demandou trabalho duro e competente para a plantação vingar. Nada diferente de pais. Do contrário, ervas daninhas – como o jeitinho por exemplo – cresce, domina e se firma como modus operandi devastando toda uma safra cultivada com esforço para dar frutificar. Buscar soluções para problemas comuns ou novos, fáceis ou complexos, continuam sendo a cada geração, o desafio de pais de adolescente.
Mas, não nos inclinemos a atalhos: são traiçoeiros. Bom fruto é resultado de esforço e fidelidade à ética do que posso e convém ser feito para o bem de todos. Não sou modelo de nada mas sou mãe de adolescentes. Transformei erros repetidos e apatia negligente em busca incessante de soluções para as mazelas do mundo atual. Aprendi, mudei e hoje sou lavradora incansável comprometida em ser e fazer melhor que meus antepassados. Talvez não vença o mundo mas resisto cultivando o terreno fértil da adolescência atenta às ervas daninhas. Afinal, não estou aqui para perder safra mas para dar frutos senão bons, melhores que até então.
*Xila Damian é escritora, palestrante e criadora do blog Minha mãe é um saco!, espaço em que conta as situações cotidianas e comuns que vive sendo mãe de adolescentes, buscando desmistificar clichês sobre essa fase dos filhos, para transformá-la em um tempo de aprendizado.