Você chega na sua casa, olha uma poltrona vazia, senta-se nela com uma xícara de chá. Você chamaria isso de solidão ou de liberdade? Como tudo na vida, a atual situação de pandemia mundial e o decorrente afastamento social que todos estamos vivendo também passam por nossa maneira de enxergar as coisas.
A psicóloga Michele Maba, que propõe essa reflexão, afirma que, muito provavelmente, viveremos esse momento com muito desconforto e sofrimento se o olharmos apenas como um isolamento social (e com ênfase no termo isolamento). “Se a gente entra na loucura de estocar comida, de querer ter atividades para fazer o tempo inteiro, de ficar chateado com a ociosidade, a gente passa a se sentir em confinamento e essa solidão percebida por nós vai gerar uma incapacidade de ler a vida como ela realmente é”, explica a psicóloga. “Isso gera uma reação de estresse no nosso organismo, uma série de respostas fisiológicas e psicológicas que alteram ainda mais a nossa percepção das coisas”.
Adotar essa postura significa entrar num círculo vicioso e extremamente negativo. Por isso, segundo Michele, o que todos nós precisamos é olhar para essa situação como uma oportunidade de manifestar algo muito mais nobre: o nosso amor ao próximo. “Podemos enxergar isso como um afastamento temporário do convívio social por consideração aos outros, simplesmente por empatia, por entender que a gente pode barrar a transmissão desse vírus evitando de circular por aí”, afirma. “Empatia é a palavra de ordem nesse momento”.
Crescimento pessoal
Uma vez que aderimos a esse olhar e transformamos o nosso isolamento em um exercício de amor ao próximo, temos a chance também de aproveitá-lo de uma maneira saudável e benéfica para o nosso crescimento pessoal, aprendendo mais sobre nós mesmos, sobre nossos pensamentos, sentimentos e reações.
“Outra coisa que pode ser útil é evitar a ociosidade completa, aproveitar esse momento para fazer coisas das quais a gente vive reclamando que não faz por falta de tempo. Ler aquele livro que está na cabeceira da cama, arrumar o armário, começar a praticar meditação, assistir um filme que eu quero há tanto tempo e nunca consigo”, sugere Michele. “É preciso entender tudo isso como uma oportunidade e não pensando: ‘Ai meu Deus, e agora? Estou preso aqui e não posso fazer nada’. Tudo aquilo que é impeditivo começa a gerar pânico nas pessoas”.
Colo à distância
Quando se trata de parentes e amigos próximos, é importante ter em mente que não existe isolamento afetivo: a distância temporária é apenas física. O sacerdote católico Léo Pereira, falecido em 2007, dizia que “a presença física é a mais pobre das presenças”. E talvez esse seja um bom momento para experimentar a força das nossas relações. Afinal, ainda podemos ser – e ter – um colo à distância através de mensagens de carinho, ligações demoradas, vídeochamadas e até orações, para aqueles que professam alguma fé.
Familiares que moram na mesma casa também são convidados a estreitarem os laços de uma maneira nova, já que agora a convivência é em tempo integral. “Às vezes, tem uma mãe ou um pai que está distante de um filho, então esse é o momento de brincar, de conversar, de se dedicar a consertar um sentimento que não está tão legal dentro daquele lar”, orienta a psicóloga. “A gente precisa cuidar mais dessas relações próximas, ser mais colaborativo e ter a comunicação mais assertiva possível, porque vamos viver um momento de muita intensidade nesse convívio e isso tende a fragilizar os nossos vínculos mais próximos”.
O porco-espinho
Uma história, contada pela psicóloga, ajuda a ilustrar o comportamento do ser humano diante dessas relações familiares. Na era do gelo, o porco-espinho era para ser extinto do planeta porque eles não conseguiam viver agrupados para fazer troca de calor e, possivelmente, morreriam congelados. O fato é que, na época, o porco-espinho acabou aprendendo a conviver em grupo e fazer a troca de calor necessária para a sobrevivência.
“O ser humano é muito parecido com o porco-espinho. Justo quem está mais do nosso lado é quem mais nos espeta e é também quem mais espetamos, mas isso é necessário para a nossa sobrevivência. Essas são as pessoas que a gente mais ama e com quem escolhemos viver por perto”, exemplifica Michele. “Então, olhar para isso com algum carinho faz com que consigamos não gerar situações estressantes, que são comuns com a criançada em casa, por exemplo, ou no convívio muito estreito com alguém”.
Está claro que temos em nossas mãos o poder de fazer com que, ao final de tudo isso, esses dias atípicos para todos nós tenham sido sinônimo de murmurações ou de crescimento pessoal, de laços mais fracos ou mais fortes, de egoísmo ou de amor ao próximo.