Adotar um animal faz bem à saúde e alivia a ansiedade durante a pandemia| Foto: Arquivo pessoal
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O período de pandemia e isolamento social ocasionado pela Covid-19 representou literalmente o renascimento do pequeno vira-latas Fênix. Resgatado após ser praticamente queimado vivo durante um ato cruel do antigo tutor, o animal passou meses em tratamento lutando pela vida até que, no final de abril, recebeu uma nova chance ao ser adotado pela família do Fábio, de Curitiba. Ele e a esposa enxergaram nesta época de incertezas a oportunidade ideal para dar aos dois filhos a companhia perfeita em tempos de quarentena. “Ele acabou somando muito na rotina da família. É muito tranquilo. Às vezes até esquecemos que ele está aqui”, conta Fábio, reforçando que a tomada de decisão foi muito pensada e planejada para garantir a melhor adaptação possível para o animal e a própria família. “Vimos o resgate dele há três meses e decidimos esperar para adotá-lo”, lembra.

Assim como Fênix, centenas de outros animais têm conseguido uma nova família mesmo durante esse período conturbado. A ONG Força Animal, por exemplo, viu o número de adotantes aumentar de forma significativa desde o início da pandemia. Antes, as protetoras contabilizavam uma adoção a cada dois ou três meses. Agora, após o isolamento, esse número saltou para uma média de quatro adoções por mês. “Isso é muito bom e acreditamos que realmente é por causa do isolamento. As pessoas ficam mais tempo em casa, sentem falta de um animal de estimação ou então de uma alegria extra para o lar.
Outras vezes a pessoa já tem um animal e quer ter mais um para fazer companhia”, diz Danielly Savi, fundadora do grupo.

Outro cão que tirou a sorte grande durante este período foi o “Francisco”. O vira latas de três anos ganhou um novo lar graças a Rachel Dutra, que acabou cedendo ao desejo de aumentar a família no último mês. “Chegou a quarentena e me deu vontade de ter mais um cachorro. Acabamos ficando mais sensíveis nesse isolamento”, diverte-se. Segundo a dentista, que já é dona do Cadu, um Bull Terrier, foi o namorado que a incentivou a concretizar, neste momento, a ideia antiga de ter mais um animal de estimação. A adaptação ao novo lar, segundo ela, não demorou muito para acontecer. “Foi interessante como ele se adaptou até com a personalidade do meu outro cachorro. Eu tive muita sorte de adotá-lo e ele mudou bastante a minha vida neste primeiro mês”, diz Dutra.

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Danielly lembra, ainda, que ao adotar um animal de uma ONG, a pessoa está dando a oportunidade para que outro seja resgatado e ocupe aquele lugar. Ou seja, a pessoa que adota está salvando duas vezes. “No ato da adoção, estamos tirando o animal de um abrigo para que este espaço receba outro animal da rua, que muitas vezes se encontra numa situação muito mais grave”.

Segundo ela, antes de tomar a decisão de adotar, o interessado deve levar em consideração que o animal sente fome, frio e dor. Parece redundante, porém, esses fatores nem sempre são respeitados ou considerados pelas pessoas que procuram a instituição. É bastante comum o caso de interessados que se deixam levar pela ansiedade e acabam não considerando essas questões.

Para tentar barrar as adoções por impulso, o grupo adota critérios rigorosos para que o animal seja entregue para as famílias, tentando impedir dessa maneira situações futuras de abandono e maus tratos. Antes de entregar o animal, o interessado passa por uma entrevista e deve preencher uma ficha com todos os dados pessoais e um termo de adoção, além do acompanhamento remoto da adaptação do pet na casa do adotante. “São animais que precisam de cuidados e atenção não somente na pandemia. A pessoa precisa ter essa consciência de que o animal não é apenas para o momento. Ele vai ficar na casa, fazendo parte da família durante e depois da quarentena”. É como um casamento: na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, sempre”, reforça a protetora.

Adotar traz felicidade

Além dos benefícios para o convívio entre a família e a mudança de rotina neste período de isolamento, adotar, comprovadamente, causa uma maior sensação de felicidade e diminui a ansiedade. Contudo, esse sentimento se dá a partir do momento em que o adotante tem o entendimento da responsabilidade em se adotar um animal e não seja confrontado com “surpresas inesperadas”.

De acordo com a psicóloga, mestre em Análise do Comportamento e professora do curso de Psicologia da Universidade Positivo Kátia Biscouto, as áreas de recompensa do cérebro humano são ativadas quando a adoção do pet se mostra uma ação motivadora. Segundo ela, não se trata de uma fórmula mágica. Nem todo mundo que adotar terá essas áreas ativadas. “Se você tem uma família que nunca teve um animal e não tem noção da quantidade de cuidados diários, junto com a troca de afeto que o animal vai proporcionar, teremos um desiquilíbrio dessa balança. Já se você consegue fazer uma ligação entre os cuidados e essa troca afetiva, com certeza vai ter a produção de prazer na relação”, diz.

A partir do momento em que a decisão é analisada com muito cuidado e responsabilidade, os benefícios são sentidos por toda a família e principalmente pelas crianças. Delegar aos pequenos esses hábitos de cuidados com o pet pode ser bastante positivo, segundo a psicóloga. Nesta bagunça da rotina totalmente alterada, onde todos estão perdidos porque perderam suas referências de horários e compromissos, ter um animal de estimação obriga a adquirir novos costumes com planejamento e responsabilidade, como a hora para a alimentação, hora para as brincadeiras, etc.

A escolha do pet também deve estar relacionada ao ambiente em que o adotante vive e suas características pessoais e de personalidade. Por exemplo, se o tutor é uma pessoa mais calma, é natural que a escolha se dê pelo perfil de um animal mais tranquilo. Isso ajuda a não causar uma alteração brusca na rotina e hábitos diários.

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Hormônio antiestresse

Outro fator lembrado pela professora é a produção da ocitocina, o chamado “hormônio do amor” que essa relação afetiva entre humano e animal pode proporcionar. A adoção de um animal nos traz uma sensação de conforto, de estarmos protegidos E isso é muito positivo nesse momento, porque estamos sofrendo muito com essa sensação de incertezas. Ficar isolado, receber a quantidade de notícias diárias sobre a doença, não saber como serão os próximos dias ou meses gera uma ansiedade. Daí a importância na produção desses outros hormônios. “O hormônio do amor diminui a sensação de estresse e tem um efeito protetivo cardiovascular”, diz Biscouto. A ativação da sensação de prazer vai estimular a produção de serotonina e endorfina, que também são protetivos com relação ao estresse.

Cuidados e gastos

A atenção exigida por um animal de estimação vai desde os cuidados básicos com a saúde e a higiene, até a alimentação e o lazer, como brinquedos, guias, coleiras, e placas de identificação. De acordo com a veterinária Vanessa Martins, da Clínica Bichos e Carrapichos, os gastos iniciais com um cão filhote envolvem as vacinas, os vermífugos e, um pouco mais tarde, a castração.

No primeiro ano de vida, os valores podem chegar perto dos R$ 2 mil anuais com os cuidados veterinários e a alimentação. “Quando eles são filhotes a ida ao veterinário é mais frequente, ao menos três vezes no ano”, diz. Passado esse período inicial, o custo durante os primeiros cinco anos de vida é reduzido. Posteriormente, é necessário mais atenção com os exames anuais, quando o animal começar a atingir a velhice. A expectativa de vida de um cão, por exemplo, pode chegar a 15 anos.

Tão importante quanto os recursos financeiros para a adoção é a disponibilidade para se dar atenção a esse animal. “Não basta querer adotar. É necessário ter um tempo para passear, brincar e interagir com esse pet”, diz.

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Higiene

A veterinária orienta, ainda, que o dono reforce a higiene do animal durante o período de pandemia. Ao retornar de algum passeio, por exemplo, é importante limpar as patas do pet com água e sabão ou, no máximo, um detergente neutro. É importante reforçar para que não se use o álcool em gel 70 para realizar essa limpeza, pois isso pode prejudicar a saúde do animal. “Na tentativa de higienizar esses animais de forma excessiva podemos acabar gerando outros problemas, como dermatológicos, por exemplo,” alerta.

Denúncias

Se por um lado os números positivos são comemorados pelas protetoras, por outro causa certa preocupação o destino desses animais após a quarentena, uma vez que o receio é de que muitas famílias, ao retomarem suas rotinas novamente, acabem não conseguindo dar a atenção que o pet precisa e vejam o animal como um empecilho.

A Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente de Curitiba já constatou um aumento de até 50% no número de denúncias de abandono e reforçou a fiscalização para coibir a prática. As denúncias podem ser feitas pelo telefone 181. O delegado Matheus Loiola, bastante atuante neste tipo de investigação, lembra que abandonar um animal é caracterizado como crime de maus tratos, previsto no artigo 32 da Lei 9.605/98, podendo a prática ser punida com um período de três meses a um ano de prisão, com aumento de pena em um terço caso o animal venha a óbito. “Esperamos que essas adoções sejam definitivas e não uma companhia durante a pandemia”, diz o delegado.

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Animais não transmitem a Covid-19

Segundo um comunicado conjunto assinado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), Associação Mundial de Veterinários de Animais de Estimação (WSAVA), bem como outras instituições de saúde humana e animal, até o momento não há evidências científicas de que animais de estimação possam transmitir o coronavírus para humanos. De acordo com estas organizações, as recomendações sobre animais para evitar possíveis infecções são as mesmas em situações do cotidiano, como lavar as mãos antes e depois de interagir com eles e seus pertences, assim como manter o distanciamento se você estiver comprovadamente doente.

“Existem muitas evidências científicas de que gatos e cães melhoram e enriquecem a vida e a saúde das pessoas. Além disso, eles podem ser de grande apoio psicológico para as famílias, reduzindo os níveis de estresse e as tendências suicidas, algo de grande importância em momentos de distanciamento social”, diz a nota.

Força Animal precisa de ajuda para não fechar

Há 16 anos a ONG Força Animal trabalha no resgate e cuidado de animais que foram abandonados nas ruas de Curitiba e região metropolitana, ou que foram vítimas de maus tratos pelos ex-tutores. Desde sua fundação, já foram resgatados mais de 7.500 animais de várias espécies, desde cães e gatos até porcos, vacas, cavalos, galinhas, dentre outros.

Em razão da pandemia, a instituição viu a colaboração de voluntários cair de forma drástica e tem passado por dificuldades para manter o abrigo, que atualmente conta com 300 animais. “Com a pandemia, muita gente deixou de ajudar e os animais estão passando por necessidades que vão desde a falta de remédios e ração até produtos de limpeza”, explica Danielly Savi. “Cada real doado é muito valioso pra nós”.

Quem puder contribuir de alguma forma, pode entrar em contato com o grupo pelas redes sociais Facebook ou Instagram, ou ainda pelos telefones (41) 99686-2884 e (41) 99887-0463.

As contribuições em dinheiro podem ser realizadas diretamente na conta bancária: Itaú, Agência 0273, Conta: 35559-4 - Titular: Associação Beneficente Grupo Força Animal, CNPJ 29.682.985/0001-64.

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