Para começar essa “conversa”, é preciso fazer uma diferenciação mínima entre cérebro, mente e espírito. Para maior aprofundamento dessa diferença remeto o leitor e a leitora aos estudos do pesquisador dessa temática, Dr. Alexander Moreira-Almeida, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. O cérebro não é a mente. O cérebro “não gera a mente” (Moreira-Almeida, 2015).
Há muitas pesquisas que mostram que determinados pensamentos e sensações geram “vivências mentais” e que o estímulo de determinadas áreas do cérebro provoca certas percepções ligadas àquelas áreas estimuladas. Contudo, não é daquelas regiões estimuladas que vem a “consciência”. Por um lado, o cérebro é um “instrumento de manifestação da consciência”, afirma o pesquisador (Moreira-Almeida, 2015). Por outro lado, a mente não se reduz às ativações químicas que ocorrem no cérebro. A mente é algo independente do cérebro, mas se relaciona intimamente com este (Moreira-Almeida, 2015). Embora mente e cérebro interfiram um no outro, as pesquisas ainda não alcançaram um entendimento suficientemente amplo da mente e de sua relação com o cérebro.
Também, existem muitas experiências espirituais que não podem ser explicadas pelas atividades cerebrais, pelo cérebro, pois “há uma dimensão extrafísica na natureza humana” (Moreira-Almeida, 2015). Esse entendimento da mente como uma dimensão extrafísica aproxima-se ao conceito de espírito/espiritualidade assumida aqui. Espiritualidade diz respeito à dimensão humana onde reside “a vontade de sentido”. Temos necessidade de dar sentido às nossas experiências, sobretudo aquelas que nos trazem sofrimento. Queremos entender “por que”, “para que”, “por que agora”, “por que conosco”, etc. Viktor Frankl (1988; 2013) diz que a capacidade de enfrentar o sofrimento só é possível pela via da construção de sentido. É o sentido que construímos que nos ajuda no fortalecimento físico e espiritual, e nos transforma como seres humanos. Mas as pessoas podem “se perder” nesse processo. Pode ser que elas vivenciem o sofrimento de forma traumática, quando não com um profundo estado de ansiedade.
Assim, quando alguém diz que “não dá conta do isolamento social”, ou quando chega a confundir sintomas físicos de ansiedade com sintomas da Covid-19 (ambos apresentam um sintoma comum: a dificuldade de respirar), é preciso prestar atenção, pois isso indica profundo sofrimento. Os sintomas físicos da ansiedade, como falta de ar, taquicardia e fadiga, podem potencializar o sintoma emocional da ansiedade que é o medo (e mesmo o medo de morrer), angústia, nervosismo, irritação e outros sintomas.
Em tempos de novo coronavírus, o nível de ansiedade se exacerba e isso é perfeitamente compreensível. O mundo mudou da noite para o dia. Esse novo mundo no qual passamos a habitar, não nos mudamos para lá por livre vontade. Na verdade, sequer saímos do lugar. Esse mundo se mudou para cá repentinamente. Esse “novo mundo” impõe novas regras. Impõe outras formas de nos comportar e relacionar. E tais mudanças trazem, em um tempo extremamente curto, uma exigência de adaptação também extrema. Nesse novo mundo temos mais trabalho a fazer, temos de executar tarefas que exigem habilidades tecnológicas que não tínhamos antes, habitamos um local de trabalho que não é físico, e a percepção do tempo se modifica substancialmente. Em uma semana de distanciamento social, parece que já vivemos um mês!
Resistências para “habitar nesse mundo de novos hábitos” são compreensíveis. Também compreensível é a ansiedade que nos toma. E aí nosso espírito pode adoecer. Nossa mente adoecida pela consciência dessas exigências nos faz sentir como que incapazes de dar conta. Essa mente adoecida pode afetar as funções cerebrais podendo comprometer nossa performance profissional/laboral, gerando ainda mais adoecimento. Nesse contexto parece que a subjetividade entra em um “looping” de adoecimento: do cérebro, da mente e do espírito. Mas isso tudo nós sabemos. A questão é: como sair desse looping? Como manter a saúde da mente e do espírito?
Algumas sugestões práticas (para melhorar atitudes e incrementar comportamentos):
⦁ Autocompaixão: acolha-se nas suas dificuldades e limitações com a tecnologia. Você não é menos inteligente apenas porque não domina certas ferramentas tecnológicas. Aqui entra o exercício da autocompaixão. Afaste a voz crítica que insiste em dizer: “Você é uma burra mesmo!”; “Você está velho demais pra isso, já é peça fora do baralho, seu tempo já passou”; “Você nunca vai dominar isso, desista!”. Essas vozes críticas querem lhe proteger do sofrimento de tentar algo novo e difícil pra você. Mas elas não lhe ajudam. Diga a si mesmo: “Tudo bem ter dificuldades com a tecnologia. Mas vou dar um passo de cada vez. Cada aula (se for esse o caso) vou aprender uma coisa nova e vou aprendendo aos poucos”. Seja paciente e gentil com você mesmo!
⦁ Compaixão nas relações: acolha as outras pessoas que parecem estar tão ansiosas quanto você, ou mais. Ofereça compreensão. Ofereça apoio naquilo que você sabe e a outra pessoa ainda não domina. Colocá-la para baixo, criticando sua resistência ao novo ou suas limitações, não vai ajudar. Exerça sua compaixão ajudando a aliviar o sofrimento do outro. Seja um veículo de amor e bondade. Lá fora já temos ameaça real e suficiente que pode nos tirar de cena.
⦁ Estabeleça fronteiras nesse espaço virtual (que é sem fronteiras de espaço e tempo): trabalhar de casa, tendo de estar online a maior parte do tempo, pode fazer você se perder nos compromissos em função das demandas tecnológicas. Por exemplo: não olhe o WhatsApp o tempo todo. Esse aplicativo lhe consome! Estabeleça horários específicos para ver e responder as mensagens de WhatsApp e de e-mails.
⦁ Estabeleça uma rotina com horário de trabalho: é muito fácil ficar ocupado/a cerca de 18 a 20 horas por dia e ao final do dia ter o sentimento de que “não fez nada”.
⦁ Faça exercícios físicos e beba água.
⦁ Telefone para os seus queridos que também estão isolados (ou trabalhando por força da circunstância). Faça chamadas de voz e vídeo.
⦁ Não deixe de tomar banho, de limpar sua casa e de tirar o pijama ao levantar. Não é porque está trabalhando de casa que essas coisas podem ser deixadas de lado!
⦁ Reserve tempo para uma atividade espiritual: ouça músicas, poemas, cante, faça meditação, ore, reze o seu terço ou participe de algum encontro espiritual online.
⦁ Importe-se com seus amigos, amigas e familiares. Ao entrar em relação com seus queridos e queridas, não faça cobranças do tipo: por que não me ligou? (Você gostaria de falar ao telefone? Então ligue você!). Ofereça-se para eles e elas. Não os busque na tentativa de receber algo delas. Seja você o canal da oferta e verá o quanto isso promove saúde, bem-estar e crescimento espiritual, resiliência e diminuição da ansiedade e do sofrimento;
⦁ Estabeleça fronteiras nesse espaço virtual (que é sem fronteiras de espaço e tempo): trabalhar de casa, tendo de estar online a maior parte do tempo, pode fazer você se perder nos compromissos em função das demandas tecnológicas. Por exemplo: não olhe o WhatsApp o tempo todo. Esse aplicativo lhe consome! Estabeleça horários específicos para ver e responder as mensagens de WhatsApp e de e-mails.
⦁ Estabeleça uma rotina com horário de trabalho: é muito fácil ficar ocupado/a cerca de 18 a 20 horas por dia e ao final do dia ter o sentimento de que “não fez nada”.
⦁ Faça exercícios físicos e beba água.
⦁ Telefone para os seus queridos que também estão isolados (ou trabalhando por força da circunstância). Faça chamadas de voz e vídeo.
⦁ Não deixe de tomar banho, de limpar sua casa e de tirar o pijama ao levantar. Não é porque está trabalhando de casa que essas coisas podem ser deixadas de lado!
⦁ Reserve tempo para uma atividade espiritual: ouça músicas, poemas, cante, faça meditação, ore, reze o seu terço ou participe de algum encontro espiritual online.
⦁ Importe-se com seus amigos e familiares. Ao entrar em relação com seus queridos, não faça cobranças do tipo: "Por que não me ligou?" Você gostaria de falar ao telefone? Então ligue você! Esteja disponível para essas pessoas. Não os busque na tentativa de receber algo em troca. Seja você o canal da oferta e verá o quanto isso promove saúde, bem-estar e crescimento espiritual, resiliência e diminuição da ansiedade e do sofrimento.
Estamos todos num mesmo barco que não escolhemos estar. Mas você pode optar por ficar nele, ajudar-se e ajudar os outros, ou sair dele, ser agarrado pelo vírus, e contigo levar outras pessoas que não necessariamente gostariam de sair agora. Sim, você ainda tem escolha, e esta interfere na escolha de outras pessoas. E é hora de pensarmos, também, na coletividade. Só sairemos dessa crise se trabalharmos em conjunto. Escolha cuidar da sua mente! Cuidar dela é cuidar de seu espírito! É cuidar da vida! É escolher viver!
Referências
Frankl, V. E. (1988). The will to meaning: Foundations and applications of logotherapy : expanded edition, with a new afterword by the author. Meridian.
Frankl, V. E. (2013). Em busca de sentido: Um psicólogo no campo de concentração. Ed. Sinodal.
Moreira-Almeida, Alexander, & Araujo, Saulo de Freitas. (2015). O cérebro produz a mente? Um levantamento da opinião de psiquiatras. Archives of Clinical Psychiatry (São Paulo), 42(3), 74-75
Mary Rute Gomes Esperandio é psicóloga, doutora em Teologia, professora adjunta no Programa de Pós-Graduação em Bioética e professora adjunta no Programa de Pós-Graduação em Teologia, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e líder do grupo de pesquisa no CNPq “Espiritualidade e Saúde”