As dificuldades impostas pela pandemia fizeram com que milhões de brasileiros que trabalham na informalidade fossem impactados pela crise e tivessem que recorrer ao auxílio emergencial para, ao menos, garantir uma refeição na mesa. De acordo com dados do governo federal, até agosto, cerca de 66 milhões de brasileiros receberam diretamente os R$ 600 liberados nos últimos meses.
Foi nessa situação que se encontrava a família da autônoma Maria Célia Sousa, de 40 anos. Mãe de três filhas, Eliane de Sousa Lima, Helionicy de Sousa Lima e Hellyorranny de Sousa Macedo, as quatro estavam desempregadas e sobrevivendo de trabalhos alternativos e temporários quando, no mês de maio, foram contempladas com o benefício. “Na ocasião eu e minhas filhas estávamos desempregadas, vivendo de bico. O que aparecia a gente fazia, pois não dá pra escolher serviço”, lembra.
Com os R$ 600 em mãos, Maria Célia enxergou na dificuldade uma oportunidade de mudar de vida e decidiu que iria utilizar esse valor para concretizar a realização de um antigo sonho, que era o de abrir o próprio restaurante. “Eu gosto de cozinhar. O meu sonho era trabalhar pra mim mesma, eu e minhas filhas. Chega um tempo em que a gente cansa de trabalhar para os outros, né?”, desabafa.
Antes mesmo de pegar o montante em mãos, quando o valor já estava na conta, a empreendedora sentou com as filhas e conversou sobre a ideia, explicando que seu objetivo, naquele momento, era multiplicar o dinheiro que iria sacar. “Eu falei pra elas: vamos vender comida porque todo mundo gosta e o povo não fica sem comer”, relembra.
Num primeiro momento a ideia não foi bem recebida pelas meninas, afinal, quem iria se arriscar a abrir um negócio com refeições em plena pandemia? Percebendo que o negócio poderia não sair do papel, Maria Célia foi mais incisiva até finalmente conquistar a confiança necessária das próprias filhas. “Ninguém estava querendo chegar perto de ninguém. Então já que os clientes não podem vir até nós, nós vamos até eles”, profetizou.
O primeiro passo para a empreitada foi providenciar todas as medidas de proteção que a situação exige para o preparo das marmitas, como uniforme, máscaras de proteção, luvas, toucas e álcool em gel. Em seguida, menos de 24 horas depois de sacar o benefício social, o quarteto se dirigiu ao supermercado para escolher a dedo os insumos necessários para dar início ao “Marmitex das Meninas”.
Expectativa no primeiro dia
Depois de preparar caprichosamente o cardápio da nova empreitada, a cozinheira e as filhas comemoraram a venda de 26 marmitex logo no primeiro dia do restaurante improvisado. A marca foi celebrada com festa dentro de casa e serviu como um sinal do que viria nos dias que se seguiram.
Com a clientela fiel sendo conquistada dia após dia, hoje, quase quatro meses após a abertura do novo negócio, a ex-diarista já colhe os frutos da dedicação, vendendo aproximadamente 50 marmitas por dia na pequena cidade de Araguaína, no Tocantins, chegando a um faturamento bruto além dos R$ 6 mil em alguns meses. “Eu fiquei muito feliz. Disse para as minhas filhas: olha, vai dar certo. Com certeza vai dar certo.”
Com pratos que variam de R$ 5 a R$ 7, o serviço de entrega de marmitex funciona de segunda a sábado e o cardápio fixo, de acordo com o dia, contempla arroz, feijão, frango, carne de boi ou de porco, macarrão e salada. As opções podem variar de acordo, claro, com a vontade do cliente, pois são eles que mandam, diz a empreendedora.
“A clientela é fiel e come aqui todo santo dia. Apesar do cardápio ser diferente, às vezes repetimos porque eles pedem. Hoje era para ser panelada e buchada, mas aí um cliente pediu a costela com verdura e mandioca, então mudamos e agora a buchada vai ficar para amanhã”, diz.
Rotina
O rito de Maria Célia e suas filhas não é nada fácil. A preparação das marmitas começa ainda no dia anterior, com o descongelamento das carnes, a lavagem e o preparo inicial do feijão, além da higienização inicial da salada. Esse trabalho começa por volta das 17 horas, quando ela inicia os preparativos das marmitas e bota o feijão de molho.
Após uma pausa para ir à igreja, ela retorna por volta das 21 horas e segue as atividades até às 23h, quando ela se permite relaxar um pouco e passar um tempo com a família. Após algumas poucas horas de sono, a empreendedora pula da cama às 6 horas para finalmente colocar a barriga no fogão e iniciar a montagem das refeições. As primeiras marmitas devem estar prontas religiosamente às 10h30 para evitar aglomerações na porta de casa.
O segredo para o preparo de uma boa comida, segundo ela, é o uso de alimentos frescos e de qualidade. “Eu trabalho com alimento fresquinho e novo. Eu não trabalho com alimento velho. Aqui não tem negócio de sobrar comida e botar em geladeira e freezer e guardar para vender no outro dia. Aqui isso não existe. Se sobra alguma coisa, o que é difícil, a gente chama uma pessoa carente que esteja necessitado e doa”, diz.
Uma boa rede de contatos e fornecedores também é importante para garantir o sabor diferenciado das refeições. “Já tenho o número do açougueiro. Todo dia já mando mensagem falando qual a carne e a quantidade que eu quero. E quando chego lá já está separadinho. Eu tenho confiança porque eu tenho certeza que ele faz do jeito que eu quero”, diz.
Contratações
Mesmo com pouco tempo em funcionamento, o empreendimento já reforçou o time com novas contratações. Dois rapazes auxiliam as meninas nas entregas das marmitas por todos os cantos da cidade. O que começou por regiões específicas, teve de ser rapidamente ampliado em razão do sucesso da comida no município.
A seleção dos novos funcionários, aliás, segue os critérios rigorosos da cozinheira, que opta por pessoas com força de vontade e ambição. “Contratamos um rapaz novo, de 18 anos, que trabalha com as entregas. Ele faz seis setores da cidade, os mais próximos, de bicicleta. O garoto tem força de vontade de trabalhar e subir na vida também. Você sabe que a maioria desses jovens de hoje não quer saber de trabalhar. Tá difícil arrumar um funcionário. Aqui chamamos ele de entregador de excelência”, brinca.
Já as duas filhas mais velhas de Maria Célia fazem entrega nos setores mais distantes, de moto. “Fazemos entrega em Araguaína toda. Antes começamos por perto e agora já entregamos em lugares mais distantes. As meninas não estavam dando conta sozinhas, estava atrasando, porque era muito pedido”.
Planos para o futuro
Em breve a família pretende concretizar o sonho de finalmente abrir um restaurante, dessa vez com o espaço físico adequado, com fogão industrial, cozinha personalizada e um “puxadinho” para receber a clientela no salão.
“Atualmente eu trabalho na sala e na cozinha da minha casa. Minha residência vira restaurante a partir das 6 horas da manhã. Agora temos que fazer uma cozinha grande, puxar uma área para fazer o restaurante aqui na frente pra tirar o povo de dentro de casa e depois registrar a firma. Fazer um salão para as pessoas poderem comer. Essa pandemia está acabando, graças a Deus. E aí temos que normalizar aqui. Essa porta foi Deus que abriu e a porta que Deus abre ninguém fecha”, enfatiza.
Tanta repercussão fez de Maria Célia Sousa uma presença ilustre nas lives de empreendedorismo que são transmitidas quase que diariamente por diversos canais da internet e ajudou para que a Marmitex das Meninas já tenha admiradores espalhados inclusive fora do país, gerando expectativas de, quem sabe um dia, criar uma rede internacional do empreendimento.
No que depender da força de vontade e fé da cozinheira, esse não é um sonho tão difícil. “Esses dias na primeira live que fizemos, uma moça que assistiu nos Estados Unidos entrou em contato conosco para dar os parabéns. Ela disse que o sonho dela era vir comer todo santo dia aqui e perguntou se não poderíamos dar um jeitinho de levar uma marmita para lá”, diverte-se. “Eu digo que isso pode acontecer. A gente tem que sonhar alto. Vai que começa a crescer aqui e depois vai ter outra rede da Marmitex das Meninas? Eu não digo que não pode acontecer. Pode acontecer, não agora. Mas lá pra frente. Ninguém sabe o projeto de Deus nas nossas vidas”.
Dicas para quem que empreender
A empreendedora afirma que para àqueles que pretendem empreender o principal conselho é não ter medo de tentar e seguir os próprios sonhos. “Você tem que gostar de fazer aquilo que você quer pra você. Muitos não gostam de cozinhar, outros gostam, outros gostam de fazer trabalho artesanal. Deus dá um dom para cada um. Se você tem dom, tem um sonho, também é preciso ter atitude. Com atitude você vai chegar onde você quer. Primeiramente você tem Deus, ele vai abrir todas as portas, basta você ter atitude”.