Momentos como aposentadoria, chegada da menopausa ou casamento dos filhos podem fazer marcas temporais que merecem atenção.| Foto: Bigstock
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O casamento dos filhos, sinais da menopausa, aproximação da aposentadoria ou a morte dos próprios pais ou amigos com idade similar são marcas temporais comuns com a chegada dos 40 aos 60 anos de idade.

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Segundo a psicóloga Rafaella Casarotto Bordon, tais ritos de passagem, além de escancararem o caráter temporal, destacam a transitoriedade e finitude da vida, cobrando não só o que já foi vivido, mas também um novo modo de viver.

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Para Abimael e Ana, ambos com 55 anos de idade, ao se depararem com o ninho vazio após a saída de suas duas filhas de casa, foi grande a dificuldade em vê-las como adultas, respeitando suas escolhas e autonomia.

Contudo, o apoio das filhas foi essencial para superação dessa fase. “Enquanto eu os incentivava a buscar e viver suas individualidades, podendo finalmente "experienciar" a vida sem obrigações com os filhos, minha irmã que mora em outra cidade, fez o movimento de convidá-los para ficar mais perto e acompanharem o crescimento da neta, substituindo um pouco o foco de atenção da criação das filhas para o desenvolvimento da netinha”, conta Lívia, de 27 anos.

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Assim, podemos entender que a famosa crise da meia idade nada mais é que uma parte natural da vida de um adulto normal, ao passar por transformações nos grupos familiares, de amigos e em seu próprio corpo.

Felype Peruzzo, psicólogo clínico de adolescentes, adultos e idosos entende que esse período pode ser visto como uma segunda adolescência, mas com uma percepção completamente diferente, considerando as responsabilidades e obrigações maiores da vida adulta, o que dá ainda mais peso neste processo.

Ainda que muitos passem por esse momento da vida, há diferenças nas “crises de meia idade” para cada pessoa, já que não está relacionada ao gênero ou idade, mas em fatores naturais do envelhecimento, percebidos de forma diferente por cada um.

Portanto, o que socialmente chama-se de "crise da meia idade", segundo Rafaella, que é especialista em atenção à saúde do adulto e idoso pelo Complexo Hospital de Clínicas da UFPR, por não se alinhar a um grupo específico de pessoas, não pode ser entendido como psicopatologia ''da idade'', tampouco, em crise. “Ela faz parte do processo de mudança da noção de si mesmo e compreende a organização da vida diante das transformações com as quais a pessoa tem que lidar”, explica a psicóloga.

Sendo assim, o envelhecer saudável tem estreita relação com a capacidade de saber consentir com a passagem do tempo, acolhendo seu caráter transitório e finito, reinventando o que se conserva e convivendo com os buracos e equívocos da própria existência.

O corpo envelhece, a mente não

É comum escutar, seja nos consultórios terapêuticos o nas rodas de amigos, alguém dizer: ''Eu não me sinto com 55 anos''. Isso porque, a lógica da sucessividade temporal não é a que comanda os pensamentos, do ponto de vista subjetivo, entende Rafaella. “Há um tempo no sujeito diferente do tempo cronológico, que não caminha ao lado do corpo físico, apesar das transformações biológicas. Isso que se conserva e que é atemporal, podemos pensar aqui como subjetividade”, explica ela.

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Mas, nem por isso, o tempo cronológico deixa de se impor e trazer com ele transformações, tanto corporais como, sobretudo, do lugar social do indivíduo, impactando na noção e imagem de si mesmo. O envelhecimento do corpo é algo que já esperamos que aconteça, mas as especificidades do envelhecer, que são mais pertinentes a cada um, são quase imprevisíveis, segundo Felype Peruzzo.

“A aceitação que nosso corpo não é uma máquina infalível deve vir do indivíduo. Só se pode ter uma vaga ideia do que esperar no futuro ao observar os familiares que envelheceram antes, como pais e avós”, acrescenta o psicólogo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

A "crise da meia idade" pode ser causa de sofrimento?

Existe um grande arco-íris de sentimentos que podem ser causados pela insatisfação, indo desde a frustração e tristeza por não atingir tudo aquilo que se queria, um senso de merecimento e revolta por não realizar algo que acha que deveria ter realizado, até à satisfação de se entender que conquistou outras coisas, ou a felicidade de realizar coisas completamente diferentes do que planejava.

Lívia conta que desde muito cedo os planos e sonhos de seus pais foram abandonados e novas rotas foram sendo traçadas. “Meu pai em sua juventude desejava ser jogador de futebol e minha mãe empresária ou advogada. Mas por terem se casado e tido filhas muito cedo, ambos tiveram que se adaptar e investir na carreira de bancários. A partir disso, acredito que as frustrações que tiveram de lidar foram de ordens mais cotidianas, dentro da imprevisibilidade natural da vida”, conta a filha.

O que faz a pessoa sofrer não é a passagem do tempo em si, mas a perda dos seus ideais. Para Rafaella, os ideais, formulados desde o primeiro momento de vida, podem retornar nesses períodos enquanto questões, como: “O que já passou?”, “O que é que ainda está por vir?”, e, sobretudo, “o que quero do que ainda está por vir?”

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Ao buscar respondê-las, a pessoa pode entrar em conflito e ter um sofrimento mais intenso. Para lidar com o sentimento da perda, a psicóloga explica que é necessário a vivência de luto, não necessariamente a partir da morte de um ente querido, mas de uma mudança na imagem de si próprio e de consentir com as limitações colocadas pelo curso da vida. “A partir desse processo, os ideais podem ser retomados por uma nova perspectiva, repensando os próprios interesses, propósitos e desejos, tornando passível de um redirecionamento em vida”, esclarece Rafaella.

Como se preparar para essa fase?

Pensando de forma prática, Peruzzo indica que a melhor forma de se passar por uma crise é preparar-se para ela. Abimael e Ana, embora tenham se preparado financeiramente ao longo dos anos – em termos de aquisição de bens e aposentadoria – para a terceira idade, apesar de sempre terem tido o cuidado de praticar atividade física e terem uma alimentação balanceada, os dois sofreram impactos na saúde pelo estresse do trabalho e dedicação exclusiva aos filhos, culminando em adoecimento físico e psicológico no processo de envelhecimento.

A preparação física é, de longe, a mais simples de ser feita, uma vez que envolve regular a dieta, realizar todos os exames possíveis no médico e procurar iniciar alguma prática esportiva para manter o corpo e músculos em atividade, como pilates, caminhada, academia ou natação.

No entanto, segundo Fylipe Peruzzo, a preparação mental requer um maior cuidado. Além de levar mais tempo, exige a aceitação das mudanças no corpo e na forma de ver a vida, inclusive perceber o momento da vida que mudou. Isto pode ser feito com trabalhos individuais em terapia, estabelecimento de metas ou meditação, por exemplo, para que esta fase seja mais fácil de se passar.

Como passar por esse momento?

Crises em geral são períodos tumultuosos. Entretanto, não são impossíveis de superar. Como o momento se dá de forma diferente para cada pessoa, também é resolvido e passado de forma e tempo individualizado.

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Peruzzo orienta que uma das primeiras coisas a serem avaliadas deve ser a rede de apoio, amigos e familiares mais próximos, assim como o entendimento das situações que passam ao redor, seja em casa, no trabalho ou em reuniões, pois tudo isso influenciará nas emoções.

Quando a saída de casa pelas filhas se efetivou, Abimael e Ana começaram a falar mais sobre aposentadoria, planos de onde passariam a viver ao se aposentarem e o que imaginavam para esse período. “Percebi também o início de novos hobbies pela parte de meu pai, que passou a praticar ciclismo urbano e gostar de degustar vinhos e assistir séries em seu tempo livre. Enquanto minha mãe teve interesse maior nos cuidados com a aparência, investindo mais em procedimentos estéticos, algo que anteriormente nunca havia feito por medo de procedimentos mais invasivos”, lembra Lívia.

“Descobrindo o que há de errado e onde as emoções ficam mais instáveis, a situação pode ser resolvida com pequenas mudanças, como uma reorganização do lugar de trabalho, mudanças na rotina ou até mesmo pintar uma parede em casa, de uma cor que sempre quis,” destaca Peruzzo. Contudo, se o processo se tornar profundamente doloroso, é importante estar atento quando a angústia de se deparar com as questões pessoais é paralisante à pessoa, sendo importante a busca por um psicólogo ou um psicanalista, completa Rafaella.