Além dos transtornos alimentares, como anorexia, bulimia ou compulsão alimentar, que são doenças psiquiátricas que afetam o comportamento alimentar, há outra condição que atinge cada vez mais pessoas, mas que não é uma doença: o comer transtornado, que pode ser gatilho para distúrbios graves.
Pessoas que vivem fazendo dieta, que fazem compensações o tempo todo, que pulam refeições ou que excluem grupos alimentares inteiros (como carboidratos, por exemplo) são as que têm o chamado comer transtornado, que é “um meio de campo entre o comer normal e o transtorno alimentar”, define a nutricionista Naiara Belmont, especializada em comportamento alimentar. “Esse paciente tem comportamentos parecidos com os de um transtorno, mas não fecha critérios para cravar o diagnóstico”.
Ainda existem poucos dados sobre o comer transtornado, mas, baseada em sua experiência no consultório, Naiara vê o crescimento no número de pessoas com esses comportamentos. “A prática crônica de dietas, por exemplo, é algo que está muito normalizado nas rodas de conversa com amigos e colegas de trabalho”. A psiquiatra Bruna Boaretto salienta que o comer transtornado é um gatilho para o transtorno alimentar. “Nem toda pessoa com transtorno alimentar teve um comer transtornado, mas muitas começam assim”.
Como tratar
No comer transtornado, não há necessidade de medicação para tratar, mas de acompanhamento com nutricionista especializado e psicoterapia. Naiara ressalta que o principal ponto desenvolvido com os seus pacientes nessa condição é a necessidade de fazê-los reduzirem o julgamento sobre quais seriam os alimentos bons e os ruins, os ‘engordativos’ ou os emagrecedores. “Até porque isso não existe. Uma coisa é comer um chocolate de sobremesa, outra é estar triste e comer barras de chocolate. Trabalhamos com essa flexibilidade, entendendo e lidando individualmente com cada caso”.
Resgatar os sinais de fome e saciedade e entender as necessidades do corpo são outros aspectos utilizados no tratamento do comer transtornado e desenvolvidos na nutrição comportamental –lembrando que, segundo a OMS, o comer saudável envolve completo bem-estar físico, social e mental. Bruna destaca que viver na neurose da preocupação do que é ou não saudável e viver de dieta não é normal, mesmo que seja, hoje, socialmente aceitável. “Isso tira a espontaneidade do comer e elimina seu prazer”.
Quando é doença
“Para ser diagnosticado como uma doença, o transtorno deve acontecer em uma frequência e intensidade específicas. O comer, para essa pessoa, não é normal e há um sofrimento muito grande relacionado ao corpo”, explica Bruna.
Segundo a médica, é comum perceber nesses pacientes outras doenças como depressão e ansiedade – por isso, os tratamentos dos transtornos alimentares são realizados com medicações específicas, além da ajuda de uma equipe multidisciplinar. Além do psiquiatra, é necessário o acompanhamento psicológico e de nutricionista especialista no tema.
O diagnóstico preciso é outro ponto importante, diz Bruna, sobretudo na compulsão alimentar, já que é comum as pessoas confundirem compulsão com exagero. “Temos que entender frequência e intensidade. É
natural que em eventos sociais a gente exagere, ou sinta vontade mesmo sem
fome. Mas isso não é algo que ocorre sempre, causa sofrimento ou nos impede de
parar. Na compulsão, os episódios ocorrem três vezes na semana ou mais e são
seguidos de uma culpa que impossibilita a pessoa de sair de casa. O compulsivo
também tem os episódios geralmente sozinhos.”
Os tipos mais comuns de transtorno alimentar
- Anorexia nervosa: é caracterizada pelo medo extremo de ganhar peso. Há uma restrição severa no número de alimentos consumidos até a pessoa alcançar uma magreza extrema; isso ocorre porque o anoréxico enxerga o seu corpo muito maior do que ele de fato é. O paciente também induz vômito, faz uso de medidas compensatórias como laxantes e pode ficar desnutrido. Se não tratada e em estágios avançados, a doença pode levar a morte.
- Bulimia: não há uma restrição severa como na anorexia, mas tem episódios compulsivos e, ao comer uma grande quantidade de alimento, a pessoa se sente culpada e também faz uso de medidas como indução do vômito.
- Compulsão alimentar: ingerir uma grande quantidade de alimento em pouco espaço de tempo, sem a presença de fome. Geralmente, a pessoa não come coisas que gosta, mas o que está disponível naquele momento. Esses casos são acompanhados na maior parte das vezes de ganho de peso.
- Transtorno alimentar restritivo evitativo (TARE): geralmente aparece na primeira infância e se caracteriza pela recusa alimentar. Algumas crianças nascem com hipersensibilidade ao paladar, por isso, as características da comida são incômodas. São pessoas que têm náusea ou vômito na presença de alguns alimentos e só comem determinados tipos de comida.