Durante o distanciamento social imposto pela pandemia, fomos obrigados a nos isolar em nossas casas. Agora chegou o momento de nos reintegrarmos à comunidade de pessoas na qual estamos inseridos. No entanto, há quem tenha apresentado dificuldades em voltar a se relacionar com o próximo, principalmente se ele pensa de forma diferente de si.
A solidão é compreendida pela psicologia como uma resposta emocional desconfortável ou como um sentimento de ausência que ocorre no campo simbólico, independentemente de se estar ou não cercado de pessoas, explica a psicóloga Rosiane Martins de Souza Teodoro.
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Segundo ela, diferentemente da solitude, que é a busca espontânea por momentos de isolamento, a solidão é involuntária e faz com que o sujeito se sinta desprotegido afetivamente. “Uma pessoa isolada socialmente pode não se sentir solitária. A solidão, independentemente de se estar isolado ou não, é um sentimento de sentir-se sozinho, não pertencer a uma comunidade ou grupo de pessoas”, afirma também a médica psiquiatra Ana Paula Carvalho.
A solidão é saudável?
Há pessoas que dizem gostar de serem sozinhas, mas só é saudável viver de forma solitária, quando analisado caso a caso, esclarece Ana Paula.
O novo contemporâneo, segundo Rosiane, convoca todos para uma necessidade de se estar feliz o tempo todo, sem qualquer suporte para a dor, para a falta, para a ausência ou para o choro. E, com isso, tudo aquilo que singulariza o sujeito, mas não é objeto de desejo, acaba sendo visto como prejudicial e é afastado pelos outros, rompendo laços.
Para ser mentalmente saudável, é necessário que o sujeito passe pelos processos de presença e ausência, incluído de solidão, sem se desintegrar. Para isso, muitas vezes os vínculos contribuem, já que as relações ajustam o modo de pensar e agir. “Se estivermos falando de uma situação pontual, como por exemplo a perda de um parceiro afetivo, uma mudança para um lugar distante ou luto, será importante passar por esse lugar de ‘vazio’, pois para ressignificar o que foi perdido, é necessário viver todo o processo”, destaca a psicóloga.
Agora, tratando-se de solidão sendo um sintoma de um transtorno, sem dúvida, é uma situação que merece cuidado e atenção de um profissional. Afinal, tal sensação envolve sofrimento entre outros malefícios para quem a experimenta.
Segundo Ana Paula, para lidar com a solidão, além do acompanhamento profissional (psicólogo e psiquiátrico), existem algumas atitudes que podem ajudar, como estar com amigos e familiares que não vê há muito tempo e encontrar um trabalho voluntário ou um hobby em grupo.
Impactos da solidão na saúde
A solidão está associada à piora da saúde física em geral, inclusive há risco de morte prematura em pessoas que a sentem de forma crônica, explica a médica. “Na saúde emocional, encontramos maiores índices de depressão, ansiedade e até risco de demência. Um cérebro solitário entra em ‘modo sobrevivência’ e torna-se mais ‘defensivo’ vendo perigo em tudo e em todos”, complementa.
Um estudo publicado pela American Academy of Neurology demonstrou que a solidão, além de ser associada a marcadores neurocognitivos de vulnerabilidade ao Alzheimer, também aumenta o risco de se desenvolver demência. Além destes, há prejuízos mais visíveis, tais como as sensações de dores no corpo, choro repentino e doenças psicossomáticas.
Rosiane conta que, nesses casos, estar em um ambiente social pode gerar desconforto e, muitas vezes, uma antecipação reacional, o que leva a pessoa a evitar a participação em eventos sociais e avaliativos por medo de sentir-se inadequada ou isolada.
Por isso, é muito importante preocupar-se com esse sentimento quando o fato de não ter alguém ao seu lado na esfera afetiva, familiar ou de amizade, gera prejuízos na condição cotidiana da vida. “Normalmente, esse sentimento aparece como sintoma em alguns transtornos, como os de quadro depressivo”, alerta Rosiane.
Conviver com pessoas que pensam diferente ou se isolar?
Cabem muitas reflexões para aquele tão conhecido ditado: Antes só do que mal acompanhado. Não suportar tudo aquilo que é contrário ao modo particular de se pensar, ou seja, a intolerância, presente na cultura do cancelamento, é muito perigosa, alerta Rosiane.
Por outro lado, também existe uma pressão social por ser popular e manter as relações, mesmo que não sejam sadias, a todo custo. Sendo assim, é necessário reflexão e equilíbrio para que o indivíduo respeite sua singularidade, mas ao mesmo tempo aprenda a ser mais flexível e tolerante.
Para conviver com pessoas que pensam de forma diferente sem desgastar a saúde mental, Ana Paula sugere, em primeiro lugar, aprender a ouvir. “Ouvir escutando, prestando atenção no que o outro está falando, procurando conhecer o que está por trás daquele ponto de vista. E se for algo contra os seus valores pessoais, inaceitável do seu ponto de vista e você puder evitar o contato: evite, corte a relação, se afaste. Quando não for possível: evite o tema e deixe a conversa seguir somente no que for indispensável”, orienta a psiquiatra.
De algum modo, segundo Rosiane, sempre lidaremos com pessoas que pensam e agem diferente de cada um de nós. Ainda que se evite outros grupos sociais, há a convivência com a família, com colegas do trabalho e da universidade. Portanto, quando o indivíduo, por si só, não conseguir lidar com as diferenças com o próximo, é importante buscar acompanhamento terapêutico.