O telefone, como qualquer tecnologia, é um produto de uma cultura, localizado em um determinado tempo e espaço. O psicólogo Pedro Braga Carneiro se recorda que, durante muito tempo, e em muitos lugares, enquanto foi o nosso principal meio de comunicação, fazíamos fila para falar em um telefone público, passávamos horas batendo papo, esperávamos a hora de uma ligação, dedicávamos esforços para trabalharmos por este meio.
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Esse anseio para experimentar uma novidade foi similar com todas as outras inovações: do surgimento da escrita até o correio, do telégrafo ao envio de e-mails pela internet. Sempre uma nova tecnologia substituía, de forma natural, a anterior. E com o telefone não foi diferente, já que, com o passar dos anos, foi sendo substituído por aplicativos e plataformas de texto, vídeo e mensagens, se destacando pela quantidade e qualidade de recursos que vão incorporando.
“Talvez porque a comunicação assíncrona, utilizada nos grupos de mensagens instantâneas, combina com um modo de vida cada vez mais atribulado, sem tempo, indisponível, que sequer é sustentável, mas ao qual estamos inseridos, destaca Carneiro, que é doutorando em tecnologia e sociedade.
Cada dia que passa, menos telefones tocam
E a recepção da comunicação assíncrona, principalmente por meio de aplicativos de mensagens e e-mails, foi tão bem aceita, que algumas pessoas têm se queixado de sentirem-se angustiadas, ansiosas e até mesmo incomodadas ao ouvir o toque do seu telefone.
Essas sensações se justificam, para Carneiro, mais pelo uso que se passou a fazer do telefone do que pelas próprias pessoas em si. “As ligações passaram a ser utilizadas com tanta frequência para insistentes vendas de produtos e serviços, pedidos de doações financeiras, e até tentativas de golpes, que seu uso passou a ser considerado aversivo, ou inoportuno”, destaca ele, que é coordenador da comissão de comunicação social do Conselho Regional de Psicologia do Paraná.
Além disso, “quando paramos para atender uma ligação, de algum modo rompemos com a nossa rotina, ao passo que podemos nos organizar para responder as mensagens assíncronas quando tivermos tempo para elas”, acrescenta Douglas Henrique Antunes Lopes, mestre em Filosofia e professor da Uninter.
O incomodo pela ligação pode ser tão grande, que alguns jovens, e até mesmo adultos, têm se sentido ofendidos com persistentes ligações. “Aqueles que estão cada vez mais habituados a um modo de comunicação assíncrono, no qual identificam quem os chama e conseguem assimilar a mensagem antes de decidir se – e como – responder, quando enfrentam um contato que não possibilita essa segurança, a consideram intrusiva, explica Carneiro.
Por essa razão, segundo Lopes, as ligações têm se tornado cada vez mais obsoletas, tendendo a sobreviver apenas na comunicação com pessoas queridas, como amigos ou familiares.
Mas, então, escolher qual meio de comunicação usar, ignorando outras formas, é correto?
De fato, o psicólogo acredita que não há nada de errado em perceber que se relaciona melhor, ou que se sente mais confortável, com uma tecnologia do que com outras. “E os aplicativos são desenvolvidos intencionalmente para parecerem cada vez mais atrativos”.
Em vista disso, não se deveria fazer um crivo de normalidade ou não para aqueles que se recusam a atender uma ligação telefônica, desde que não seja por uma patologia. Contudo, ele alerta que não se pode esperar que todas as pessoas tenham a mesma preferência. “Portanto, fazer um esforço para falar ao telefone com aquelas pessoas que não demonstram tanta afeição ou familiaridade com mensagens de texto, por exemplo, pode ser um exercício colaborativo importante”, adverte Carneiro.
Mais tempo trabalhando, menos tempo se relacionando
Importante diferenciar, segundo Lopes, que a tecnologia não tem facilitado as nossas vidas, mas sim otimizado o volume de atividades a serem realizadas, como no mercado de trabalho. Contudo, a rapidez da comunicação, ao trazer um volume e urgência de demandas a serem resolvidas exorbitantes, transforma as sonhadas e saudáveis oito horas de trabalho diárias em 12, 14 ou 16, reduzindo o tempo para as conversas amigáveis. “A sensação decorrente daí é de ficarmos mais distantes das relações humanas e mais próximos às máquinas”, salienta o filósofo ao dizer que passamos por um processo de desumanização.
Ao relembrar Sêneca, Lopes observa que a ampliação das demandas de trabalho e estudo acarretam um menor tempo para atividades que envolvam o cuidado de si, como o lazer, o esporte e a convivência. Por isso, o professor orienta que todos se mobilizem para se desconectarem em determinados períodos, evitando o acometimento de doenças derivadas do stress. “Sejam cautelosos em relação ao tempo de vida que tem e as possibilidades de conviver com as pessoas que se ama, pois até agora as tecnologias não conseguiram nos dar soluções para reposição do tempo, que, por mais que tentemos controlar, continua escoando pelas nossas mãos”, conclui.