“O bullying retira a autoestima, afasta dos sonhos, traz sofrimento, solidão e vergonha”. Essa não é uma definição escrita em um dos manuais de psicologia ou psiquiatria, mas é a forma com que o advogado Alexandre Saldanha, define o problema.
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Além de estar acima do peso, na infância Saldanha lidava com limitações motoras, sequelas de uma paralisia cerebral adquirida por conta da prematuridade no seu nascimento. Esse fator impedia que ele jogasse bola e pudesse ser ágil nas brincadeiras em grupo, o fazia dele um alvo de chacotas, injustamente.
Assim como ele, muitas outras crianças sofrem bullying ou cyberbullying por condições físicas, comportamentais e até mesmo sociais. Contudo, algumas têm medo de contar a seus pais, com receio do julgamento. “Na grande maioria dos casos, os adolescentes não compartilham com suas famílias por temerem a crítica, a cobrança e o pouco acolhimento”, alerta Helena Virmonde, psicóloga familiar e jurídica (CRP 08/9650).
É perceptível, segundo ela, que a falta de diálogo na família é um grande mal da modernidade e que, inclusive, prejudica a proteção das vítimas de bullying. “A geração líquida, que resolve tudo com agilidade, esquece de validar o sentimento das crianças e adolescentes que sentem tudo com muita intensidade”, acrescenta.
Como acolher as vítimas de bullying?
Para acolher as crianças e adolescentes vítimas de bullying e cyberbullying é fundamental retomar o diálogo familiar, orienta Fabiana Canda, psicóloga, psicopedagoga, neuropsicóloga e educadora parental (CRP 08/10626). É estabelecer um tempo de qualidade com as crianças, utilizando-se da escuta empática e acolhedora, criando uma conexão verdadeira. “Ter um momento semanal em que todos da família possam dividir uma atividade em comum, desconectado dos eletrônicos e voltados para aquele momento, leva segurança as crianças”, acrescenta.
Ao invés de minimizar as dores sofridas, a escuta empática, ao se colocar no ponto de vista do próximo, valida e acolhe a dor da vítima. Isso ajuda com apoio emocional para resolver a situação, valorizando suas qualidades e demonstrando que ela não é a responsável pelas agressões que sofre.
Helena destaca que se os pais iniciam as conversas familiares contando sobre suas próprias experiências, boas e ruins, com fatos que aconteceram na semana, os filhos começam a desenvolver confiança em também falar sobre seus sentimentos. “A conexão sincera com apoio emocional faz com que a criança se expresse em relação às agressões e ameaças que sofre”, acrescenta a psicóloga ao orientar aos pais que evitem fazer críticas e minimizar os problemas. “A criança precisa ser ouvida”, diz.
O bullying pode causar impactos psicológicos refletidos até a vida adulta
O bullying tem consequências devastadoras para suas vítimas. Por isso, quanto mais cedo detectado, melhor. Quando as famílias envolvidas nessa situação não acreditam em seus filhos, seja a de quem pratica o bullying ou da pessoa vítima do bullying, os traumas podem ser maximizados, acreditam as psicólogas.
Também podem se agravar quando o ambiente escolar minimiza, como no caso de Saldanha, e não acolhe o sofrimento da criança. “Em alguns casos a colocam de maneira ‘infantilizada’, ‘frágil’, ‘mimada’ e não toma as atitudes necessárias para acabar com a prática, piorando as agressões”, explica Helena.
Contudo, quando o bullying é recorrente, persistente e não há nenhuma intervenção profissional, os sintomas podem persistir na vida adulta. As psicólogas contam que com muita frequência recebem adultos que sofreram com esse problema na infância. “Elas se tornam pessoas inseguras, desconfiadas, com autoestima baixa e não se acham dignos de promoção no trabalho ou boas relações amorosas”, explica Fabiana.
Para minimizar os impactos causados pelas agressões verbais, o primeiro passo é ouvir a criança ou adolescente, acolher a dor que está sofrendo, sem julgar. E a busca de um profissional da psicologia se faz necessária quando os sintomas apresentados estão atrapalhando no cotidiano da criança.
Vítima por 10 anos, Saldanha sofreu bullying em todas as instituições de ensino que frequentou durante sua idade escolar, recebendo apelidos como “paralisado”, “coisa” e até mesmo “aberração”. E o que fez diminuir os impactos sofridos foi a descoberta da escrita como forma de manifestação por meio de letras de música, poesia e textos em prosa. “Dali por diante, as pessoas pararam de me ver como um sujeito a ser achincalhado, passando a me ver com admiração pelo talento com a escrita”, conta ele que hoje é advogado especialista em bullying e cyberbullying.
“O bullying mudou a minha vida. Trouxe sofrimento, é claro, mas me ensinou a não ser uma vítima da circunstância, a superar o medo, a respeitar e amar o próximo e a fazer novos amigos”, conta. “Sofrer bullying me trouxe um ideal, um sonho, uma filosofia de vida que busca a justiça e o respeito por meio da troca de informação e do diálogo entre culturas e conhecimentos”, finaliza Saldanha, hoje autor de nove livros.