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O estado de alerta que esvaziou as ruas de nossas cidades terá um impacto criminológico difícil de predizer. Existe na opinião pública, e mesmo em referências científicas especializadas, um amplo catálogo de conceitos para se referir a atos violentos cometidos no âmbito familiar ou em relacionamentos afetivos.

Fala-se de violência de gênero, violência doméstica ou violência contra o cônjuge para, a partir das nuances semânticas de cada rótulo, sublinhar a assimetria dos relacionamentos, o cenário de comportamento ou o papel criminoso masculino.

O uso do termo violência intrafamiliar também é frequente, pois, independentemente de como a “família” é definida, esses comportamentos inapropriados ocorrem em um contexto que é reconhecido como “familiar”. De qualquer forma, neste texto, queremos nos referir especificamente ao comportamento de negligência, abuso de poder ou violência (psicológica, física ou sexual) que ocorre no ambiente social de um grupo de indivíduos que vivem sob o mesmo teto.

Nesse sentido, embora em algumas unidades de convivência pode chegar a se instalar uma dinâmica de violência multilinear e crônica, centraremos nossa atenção não apenas nas mulheres, mas também naquelas que poderíamos considerar as vítimas mais vulneráveis ​​nesse tipo de cenário, ou seja, menores de idade e idosos com mobilidade reduzida.

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O perigo da invisibilidade

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No que se refere à violência intrafamiliar exercida contra esses dois grupos, encontramos uma realidade cuja denúncia é inevitável: a invisibilidade. Embora seja verdade que, no caso da violência contra as mulheres, exista um cenário de terror inaceitável, devemos reconhecer que se trata de um fenômeno que conta com o muito bem-vindo alto-falante do movimento feminista. Menores de idade e idosos, porém, não têm porta-vozes, ainda que as vítimas que pertencem a esses grupos sejam, muitas vezes, meninas e idosas.

Em relação aos menores, o medo, a sensação de culpa e a idade precoce influenciam essa falta de visibilidade. Por outro lado, no caso dos idosos, a ausência de registros ou de estimativas reais da dimensão dos maus-tratos, bem como a escassez de denúncias devido à mobilidade reduzida e à pouca credibilidade que lhes é dada, permitiu que esse fenômeno seja praticamente invisível.

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Um dos fatores que explica os maus-tratos a idosos tem a ver com a nossa própria cultura, na qual se consolidou uma representação social da velhice como uma situação quase inútil e dispensável. Os idosos são percebidos como um fardo, de modo que não surpreende que o tipo de abuso mais frequente seja a negligência e o abandono. Essa visão cruel da terceira idade se reflete até mesmo no fato de que, nestes dias, alguns meios de comunicação estejam nos convidando a ser otimistas e a estar tranquilos, já que as principais vítimas do coronavírus são nossos idosos.

Outro bloco de fatores de risco pouco estudado está relacionado ao contexto e ao espaço físico. De fato, uma alta densidade ocupacional da casa gera estresse e facilita a tensão em meio às interações cotidianas. Dessa maneira, um período mais ou menos prolongado de confinamento forçado, como consequência do estado de alerta decretado pela Covid-19, dificultará a situação de quem sofre de condições inadequadas de moradia, relacionadas à quantidade de espaço disponível, à privacidade, à poluição sonora ou a temperaturas extremas.

Se, além disso, há nesses lares um histórico de abusos, ameaças, sexo não consensual ou consumo excessivo de álcool, a bomba-relógio está armada. Seria bom se, neste período de alerta, estivermos de olho para detectar possíveis episódios de violência intrafamiliar. Infelizmente, é esperado um aumento em sua incidência no atual contexto da pandemia.

*Professor de Psicologia Criminal na Universidade do País Basco.

©2020 The Conversation. Publicado com permissão. Original em espanhol.

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