A violência infantil é um problema que atinge milhares de crianças e adolescentes no Brasil todos os anos. O Disque 100, que atende denúncias do tipo, reporta diariamente uma média de 129 casos de violência física, incluindo a sexual, psicológica e de negligência contra crianças e adolescentes. São mais de 47 mil casos por ano – 5 a cada hora – sem contar os numerosos casos que nunca chegam a ser denunciados.
É para reverter esse quadro que a Associação Cristã de Assistência Social (Acridas), em Curitiba, reinaugurou em novembro de 2017 um projeto pioneiro na forma como responde a esse problema: o Centro de Combate à Violência Infantil (CECOVI). O organismo oferece atendimento jurídico, psicológico e social a crianças e famílias vítimas da violência infantil, além de atuar na prevenção. “É uma abordagem integral”, diz ao Sempre Família Leolina Cunha, superintendente da Acridas.
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“Uma delegacia é um lugar terrível. O dia a dia de uma delegacia é pesado até para o próprio policial, o delegado, os agentes, os inspetores. Para uma família ir sozinha, é muito revitimizador”, explica Leolina. Os colaboradores do CECOVI têm, então, a missão de acompanhar a família na delegacia, no exame de corpo de delito, na vara da infância e em outras instâncias, além de realizar os contatos com o Ministério Público e as demais instituições envolvidas no processo.
“É impressionante como a família em que acontece o abuso sexual, por exemplo, se desestrutura”, comenta Leolina. “As pessoas perdem o rumo. Faz toda a diferença, tanto para os pais quanto para a criança, ter profissionais preparados, sensibilizados e capacitados para enfrentar a situação e estar por perto – dizendo: ‘Calma, você não está só. A gente está com você até o fim’”.
Suporte
Leolina esteve à frente do CECOVI em Fortaleza até 2002, quando se mudou para a Curitiba, onde fundou outra unidade do organismo. Na capital paranaense, o CECOVI esteve em atividade entre 2002 e 2010, quando entrou em um hiato, com a volta de Leolina a Fortaleza. Nesse período, o organismo firmou parcerias com o município, realizando trabalhos de prevenção dentro das escolas com professores, pais e crianças, e com o meio universitário, promovendo um curso de especialização em Metodologia de Enfrentamento da Violência Contra Crianças e Adolescentes, em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Um dos casos acompanhados pelo CECOVI em Curitiba foi o de R., um menino que foi espancado pelo padrasto com uma vara de espinhos que deixou o seu corpo em carne viva. O CECOVI prestou assistência jurídica, psicológica e assistencial para a família: a criança recebeu atendimento psicológico e psiquiátrico, enquanto a equipe jurídica do CECOVI habilitou-se como assistentes de acusação no processo contra o padrasto. Ele teve prisão preventiva decretada, pois mantinha ameaças ao enteado, à sua mãe e aos seus irmãos. Posteriormente, o padrasto foi condenado por crime de tortura praticado contra a criança, além de ter sido destituído do poder familiar dos meios-irmãos de R., seus filhos.
Outro caso foi o de M., vítima de abuso sexual praticado conjuntamente por seu pai e sua mãe. O CECOVI acompanhou a criança no Instituto Médico Legal e procedeu o seu acolhimento institucional. A equipe do CECOVI, além de se habilitar como assistentes de acusação, relatou o caso para o Ministério Público da Vara da Infância e Juventude que ingressou com Ação de Destituição do Poder Familiar.
Denúncia
Agora, com a sua reinauguração em Curitiba, o CECOVI vai acompanhar casos encaminhados pelo Conselho Tutelar e pelo Ministério Público. Além disso, vai colaborar na implantação das medidas previstas na Lei 13.431/2017, promulgada no ano passado. Com a nova legislação, o caminho de denúncia será simplificado, para evitar que a criança reviva várias vezes o trauma da violência ao narrá-la aos diversos agentes responsáveis.
“O professor é um dos profissionais que mais recebem a denúncia por parte das crianças”, conta Leolina. “Isso porque a criança cria vínculo com a professora ou o professor. Ela se sente mais à vontade”. Na antiga legislação, se um professor ficasse sabendo de algum caso de violência infantil, encaminharia a criança ao diretor da escola, que acionaria o Conselho Tutelar, que por sua vez a levaria à delegacia. A criança relataria o abuso em todas essas instâncias e ainda na audiência ao fim do processo.
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“Já imaginou quantas vezes a criança precisa contar o que aconteceu? Sem falar que cada relato é seguido, com frequência, de comentários dos profissionais, o que pode fazer com que a criança agregue aos novos relatos falas alheias”, esclarece Leolina. “É um fluxo completamente prejudicial”. A nova lei reduz a necessidade de relatar o caso a duas ocasiões: a escuta especializada, que acontece extrajudicialmente, e o depoimento especial, na delegacia.
Agora, o CECOVI pretende capacitar os professores para colher a escuta especializada, evitando a repetição do relato. “Escutado o relato, a professora aciona diretamente o Conselho Tutelar, através de uma ficha de notificação”, explica a advogada. “Isso porque as escolas são unidades notificadoras, ou seja, entidades capazes de fazer a denúncia junto ao Conselho Tutelar”.
Tipos de violência
“Hoje a legislação entende como violência física tudo o que provoca dor, inclusive uma palmada. Porém, compreende-se como maus tratos um padrão de comportamento”, distingue Leolina. “A criança vítima de maus tratos apanha quase todo dia. E o corpo dela fala. Os hematomas e as equimoses são de cores diferentes, porque datam de dias variados. A marca de hoje está vermelha, mas a de ontem está roxa e a de dez dias atrás está esverdeada”.
Já a violência psicológica é bem mais difícil de ser detectada. Entre os fatores que podem estar ligados à violência psicológica, é possível que a criança demonstre baixa autoestima, oscilações de humor muito acentuadas e agressividade no trato com os colegas. “Mas é muito subjetivo. Esses comportamentos podem estar relacionados a outros fatores”, alerta Leolina.
“Até a violência sexual é mais fácil, porque a criança tem a libido despertada antes do tempo. Ela se masturba, toca as partes íntimas dos colegas, mostra através de desenhos que tem um conhecimento sobre sexualidade acima da sua faixa etária, etc.”, explica a advogada.
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