A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) foi aprovada e homologada no fim de 2017, sem trazer em seu conteúdo as menções à ideologia de gênero, questão que gerou diversos debates durante os dois anos de tramitação do documento. Com o documento aprovado, o Brasil passa a ter pela primeira vez uma base comum que servirá de parâmetro para que as escolas de ensino fundamental construam seus currículos. De acordo com o Ministério da Educação, todas as escolas e redes de ensino do país deverão adaptar e rever seus currículos durante o ano de 2018 e iniciar a implementação da base entre 2019 e 2020.
A ausência de menções à ideologia de gênero neste que é um documento fundamental para a educação do país é uma vitória dos grupos e entidades que lutam em defesa da família. Antes da homologação da base, inúmeras foram as manifestações contra a inclusão de “questões de gênero” no documento. Uma delas foi o vídeo divulgado pelo pedagogo Felipe Nery, presidente da Rede Nacional de Direitos e Defesa da Família, em novembro do ano passado, que apontava questões que ainda eram preocupantes no texto, que estava às vésperas de sua homologação.
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Mas, uma vez tendo sido aprovada a BNCC, é possível que questões ligadas à ideologia de gênero voltem ao documento em algum momento, até a sua aplicação direta nas escolas brasileiras? Nery explica que sim. Para ele é preciso que as famílias continuem atentas aos próximos passos dados pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), porque, segundo ele, já foi dito pelos conselheiros que muito em breve a questão deve ser tratada de forma mais específica. “Podemos nos alegrar por mais uma vez a lei ter sido aprovada sem a terminologia de gênero dentro dela. Mas a CNE, por meio de alguns recursos, pode devolver. A batalha ainda não terminou”, salienta.
Possibilidades
Nery ainda explica que a atenção deve ser redobrada daqui para frente, porque algo que não está proibido por lei pode ser entendido como permitido. E é o caso da BNCC, que não tem um texto aprovado dizendo que a questão de gênero nas escolas está proibida – ela simplesmente foi retirada. “Nada impede, então, que haja ativismo pró-gênero da militância que atua na causa, justamente porque não está proibido”, diz ele.
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Andreia Medrado, professora e pesquisadora do Observatório Interamericano de Biopolítica, também chama a atenção para o fato de que o CNE pode sim trazer novamente a questão de gênero para a BNCC. “O CNE, valendo-se da prerrogativa de normatizar, por ser um órgão regulador, pode emitir uma norma específica para que o tema volte à Base”, comenta Andreia. Segundo ela, o grande problema de um tema importante para a sociedade, como a ideologia de gênero nas escolas, ser tratado por um órgão como o CNE é que os membros desse conselho não são eleitos pela população. Indiretamente, então, o documento não será avaliado pelo povo, que é o principal interessado no tema.
Além disso, de acordo com Damares Alves, educadora, advogada e assessora parlamentar que atua há anos na militância pró-vida e pró-família, há outra questão que precisa ser observada. Ela diz que ainda não há segurança total de que os professores, em sala de aula, não falarão sobre o tema com seus alunos. “Já sabemos que eles vão tentar incluir a questão em suas aulas, em nome da defesa e da garantia dos direitos humanos”, afirma. Damares diz que já é possível ver nas redes sociais alguns professores de posicionando sobre o assunto, e dizendo que irão falar, sim, sobre gênero às crianças. “A família, mais do que nunca, deverá participar de forma mais ativa da vida escolar de seus filhos, fazendo um acompanhamento”, adverte.
Ensino Religioso
Um assunto que chegou nos últimos momentos antes da aprovação da BNCC e que não fez parte das cinco audiências públicas realizadas durante o processo de homologação do documento foi a reincorporação do Ensino Religioso ao documento. E esse é outro ponto que merece atenção de entidades e das famílias. Nery explica que as duas primeiras versões da BNCC postulavam a inserção do Ensino Religioso em todas as escolas, mas sempre de forma não-confessional, isto é, sem abordar as religiões do ponto de vista específico de uma delas.
Com a chegada do atual ministro da Educação, Mendonça Filho, compreendeu-se que o Ensino Religioso descrito no material feria um princípio constitucional e também a Lei de Diretrizes e Bases (LDB). A LDB diz que os municípios e estados devem participar da construção desse conteúdo. “A maneira como estava na primeira e segunda versões era de que o governo iria definir esse conteúdo”, explica Nery. Após cinco audiências públicas e três versões, o texto final ficou com o CNE e antes de entregar a versão final o Conselho reinseriu o Ensino Religioso, sem respeitar a LDB.
E o que faz dessa uma questão mais polêmica ainda, além do fato de o governo definir o conteúdo a ser apresentado? É que a partir de agora, uma disciplina que era facultativa se torna obrigatória para escolas públicas e privadas, que terão de trabalhar o Ensino Religioso com as seguintes características: o professor habilitado a ministrar essas aulas a alunos de 1º ao 9º ano será o profissional da área de Ciências da Religião. “Não será mais um professor da área de humanas ou de uma religião mesmo”, ressalta Nery.
Como essa orientação faz parte da BNCC, deve ser acatada até mesmo por escolas confessionais. O mesmo tipo de Ensino Religioso será oferecido em toda rede pública e privada e a criança aprenderá também sobre agnosticismo e ateísmo, por exemplo. Para Nery, isso é problemático. “Ela vai aprender que a religião não trata de verdades e da realidade, que é uma construção do ser humano e uma invenção”, pondera. “Teremos com o passar dos anos um adulto que verá a religião apenas como uma grande história de poder e mentira”.
Engessamento
O fato de o país manter uma base comum para o ensino nas escolas preocupa Andreia. De acordo com ela, isso tira das famílias a liberdade de buscar novas formas de educação para seus filhos. “Como uma base nesses moldes e que, pior ainda, centraliza a educação nacional no Governo Federal – o que piora a situação –, pode favorecer as famílias?”, questiona. Para ela, os professores estarão engessados e terão de se aprimorar sempre em função daquela base estabelecida.
“É um documento com 470 páginas que despreza a ação dos professores, a necessidade do aluno, a autonomia da escola e a liberdade das famílias”, alerta. Assim, a família não pode coordenar e nem assumir o direito de escolher a educação que deseja a seu filho. Segundo ela, invertem-se os papeis de a família educar e a escola auxiliar. “Tudo o que se centraliza é um meio livre para a disseminação de ideologias”, finaliza.
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