Que o perdão é um ato muito bonito e libertador, todo mundo já sabe. Mas convenhamos, na hora de colocá-lo em prática, parece que surge alguma coisa dentro de nós que aperta o coração e a garganta, querendo nos impedir de proferir um simples: “me perdoe” ou então “eu te perdoo”. À essa “alguma coisa” damos o nome de orgulho. E, para a maioria de nós, vencê-lo exige um esforço enorme, mas principalmente uma decisão pessoal e voluntária.
Em um casamento, essa dinâmica pode ser ainda mais desafiadora. Isso porque ferir ou ser ferido por aquela pessoa a quem mais amamos e com quem compartilhamos a vida geralmente causa mais sofrimento do que quando a ofensa veio de outrem. Segundo o teólogo e terapeuta familiar Claudio Ebert, quando nos sentimos magoados por algo que fizeram conosco, o ressentimento brota em nosso coração e nos tornamos amargos dentro do relacionamento. E essa é uma das principais razões que torna o exercício do perdão tão fundamental entre os esposos.
“Nós nos casamos para nos relacionarmos com liberdade, com carinho, afeto e expressões de amor. Quando o ressentimento se instala, de alguma forma isso vaza no convívio do casal e o relacionamento pode se deteriorar numa velocidade extraordinária”, afirma o terapeuta.
Além disso, alimentar mágoas sem buscar o diálogo pode trazer consequências negativas inclusive para a saúde, causando doenças psicossomáticas – que têm origem psicológica e emocional, mas afetam o corpo. Em um artigo acadêmico sobre o perdão, publicado no Journal of Behavioral Medicine, Loren Toussaint, Amy Owen e Alyssa Cheadle, atestam que “o perdão tem sido associado a índices de melhor saúde mental e física” e que, inclusive, “há conexões potencialmente importantes entre perdão e longevidade”.
Por que tão difícil?
Calma. Não é um defeito exclusivamente seu. Reconhecer um erro pessoal realmente não é nada fácil. Para Claudio, o que acontece é que o nosso espírito de autopreservação e de autoproteção se acende rapidamente quando “pisamos na bola”. O sentimento de culpa não é nem um pouco agradável e, por isso, evitamos ao máximo sermos flagrados cometendo algum erro.
A origem disso está em nosso orgulho pessoal e em nosso narcisismo que, segundo o terapeuta, nos impedem de olhar para o nosso interior e de reconhecer nossas falhas. “Somos humanos, e essa simples condição de humanidade deveria bastar para reconhecer que erramos, que somos falhos, que cometemos gafes e que, em algumas situações, somos fracos e debilitados”, afirma. “Não há nada demais em reconhecer que erramos e que precisamos de perdão e de ajuda para nos recompormos. Mas, infelizmente, o orgulho é uma forte barreira para esse reconhecimento”.
Um casamento sem perdão é um casamento tóxico
Outro ponto importante que merece reflexão é o fato de que saber reconhecer o erro e receber perdão está diretamente relacionado com o ato de oferecê-lo. “Pessoas que não sabem pedir perdão, geralmente, são pessoas que não perdoam. E reter o perdão é extremamente adoecedor”, alerta Claudio.
Um casal que não cultiva o hábito de pedir perdão e perdoar, esperando apenas “a poeira baixar” com a falsa esperança de que o tempo vai fazer com que o outro esqueça o erro e que as coisas, magicamente, voltem a ficar bem, está caminhando – mesmo que inconscientemente – na contramão do amor. E é aí que a relação conjugal se torna tóxica não só para marido e mulher, mas para toda a família.
“Quando casais não conhecem e não praticam a dinâmica do perdão mútuo, está instalado um clima de desconfiança, de cobranças e de frieza no relacionamento. Daí para o ódio, é apenas um pequeno degrau”, observa o teólogo. “Casamento sem perdão é uma relação já fadada ao rompimento e à destruição. Não é possível conviver muito tempo num relacionamento sem a generosidade da oferta de perdão mútuo”.
É somente com um espírito decidido a saber pedir perdão e a perdoar que atraímos a liberdade e a alegria para o relacionamento.
“Casamento sem perdão é uma relação já fadada ao rompimento e à destruição. Não é possível conviver muito tempo num relacionamento sem a generosidade da oferta de perdão mútuo”.
Falar liberta
Mas de forma prática, como o perdão acontece? Para aquele que reconheceu seus erros, existe uma maneira ideal para pedir perdão? Uma ferramenta? Um método? Uma técnica? Muitas pessoas com dificuldade de se expressar com as palavras, acabam pedindo perdão através de gestos concretos. Uma flor, um jantar especial ou até mesmo uma faxina na casa. Só que apesar de todos esses sinais demonstrarem uma atitude de humildade e de amor para com o cônjuge, eles não bastam para que o perdão aconteça.
Segundo Claudio, uma das forças mais positivas de um casamento é o diálogo. É a ferramenta mais eficaz para uma boa comunicação. Aqueles que tem dificuldade de falar, podem até se comunicar através dos gestos, posturas, atitudes e até com a ausência, mas de acordo com o terapeuta, isso não revela uma comunicação saudável.
“A comunicação precisa do diálogo franco, honesto, generoso, sincero e acolhedor. Casais que conversam bastante, geralmente são casais saudáveis. Casais que não conversam, mesmo que completem bodas de ouro, nunca se casaram de fato”, reitera Claudio. “Há níveis de intimidade conjugal que só são alcançados e atingidos pela liberdade de falar, de compartilhar sonhos, de repartir projetos e decisões”.
“É pelo diálogo que aprendemos a pedir perdão e a oferecer perdão um ao outro. É pelo diálogo que não sepultamos as ocorrências do dia a dia, que conversamos sobre tudo o que nos alegra e sobre o que nos incomoda. É pelo diálogo que informamos ao cônjuge que estamos insatisfeitos ou que discordamos de alguma situação ou de alguma palavra. Falar cura. Falar liberta. Falar é medicina para o relacionamento”.