O perdão é a possibilidade de zerar as contas emocionais, uma constante renovação na relação a dois. Apesar de estar muitas vezes ligado a aspectos religiosos, o perdão é absolutamente necessário para as relações humanas, até mesmo de ateus e céticos. Para Paulo Dalla Déa, teólogo e pós-doutor em Ciências da Religião, o perdão é um dado humano evolutivo e necessário para a vida social. “O perdão sem limites e sem medidas é um dado religioso do cristianismo que exige fé (em Deus e na mudança do outro). Isso é outra coisa. O fato é que não existe convivência humana sem perdão. Sem ele, você fica à mercê de cortar relações com as pessoas sempre que elas pisarem na bola (ou você o fizer) o que acaba retirando todas as possibilidades de convivência depois de um tempo”, completa.
A especialista em autoconhecimento e inteligência comportamental Heloísa Capelas explica que, quando acumulamos mágoas, raiva e ressentimentos, também acumulamos impossibilidades de mudanças. “Defenderemos sempre a ideia de que o outro é que tem que mudar, que não tem jeito esse relacionamento etc. O perdão só é possível quando nos responsabilizamos por nós e pelo que estamos sentindo. Quando sinto raiva, ela é minha, assim como o perdão, a compreensão e o amor. No relacionamento amoroso devemos escolher o amor, e para que ele sobreviva é fundamental a compreensão e o perdão. Mudança que vem de dentro promove um relacionamento fora duradouro e estável”, afirma a especialista.
Apesar de parecer simples, em nossa sociedade percebemos uma grande dificuldade em perdoar já que vivemos o imediatismo como regra. O objetivo é ser feliz agora e, se meu cônjuge não faz o que quero, eu vou embora. “Estamos mais individualistas e temos mais medo de nos machucar. Defendemos a ideia de que o que os nossos antepassados passaram nós não passaremos e, então, perdoamos muito menos, exigimos mais e pensamos menos no outro”, conta Heloisa. Para o teólogo Paulo, as pessoas estão dispostas a serem boas umas com as outras apenas se isso lhes trouxer algum benefício. “Como num espelho, você não enxerga o outro, mas a si mesmo. Por essa ótica, o perdão é quase impossível. Para o perdão existir, é preciso ao menos estar disposto a ver pela ótica do outro (aquele que te ofendeu ou pela ótica de Deus, que está além do tempo)”, finaliza.
Para os especialistas o processo para que o perdão verdadeiramente aconteça deve ser conduzido da seguinte forma:
- O perdão tem que ser uma atitude, não um sentimento.
- Para perdoar é preciso sair do círculo sentimental de que “eu fui ofendido”. Perdoar pode inclusive doer, mas cura uma relação e a coloca em outras bases. Lembra os antigos remédios que desinfetavam, mas doíam.
- Para agirmos na vida de forma diferente e conquistar melhores resultados, precisamos, antes de tudo, revisar o nosso passado e detectar onde falhamos.
- Perdoar se torna uma prática ainda mais poderosa quando levamos em consideração os próprios erros e os daqueles que tiveram um papel atuante na nossa história.
- Depois disso, é necessário verificar porque erramos e essa análise invariavelmente nos levará a refletir sobre o papel dos nossos pais ou cuidadores. Eles possuem uma parcela de responsabilidade na maneira como agimos, pois foram nossos principais influenciadores no desenvolvimento emocional.
- Da mesma forma, nosso(a) parceiro(a) também teve trajetória individual que o(a) afetou de alguma forma. Comece a pensar na infância do seu cônjuge. Como ele foi criado? Passou por dificuldades? Teve uma educação agressiva? Foi humilhado ou abandonado? Presenciou cenas que uma criança não deveria?
- No momento em que você começar a enxergar o outro como semelhante, sujeito a falhas e também vítima em algumas situações, é possível sentir compaixão por ele. E, quando existe a compaixão, há também igualdade.
- Em outras palavras, quando pensamos na história do outro a partir desse novo ponto de vista, ganhamos a chance de compreendê-lo, perdoá-lo e, ainda, perdoar a nós mesmos por nossos próprios erros.
Mapa da Felicidade
Expert no desenvolvimento do potencial humano há cerca de 30 anos, Heloísa Capela é autora do livro O Mapa da Felicidade, escrito após a constatação de que cada vez mais as pessoas estão se perdendo na busca incessante pela felicidade, com dificuldades em encontrar o caminho ou até desistindo dele. “O livro desconstrói aprendizados sobre o que é ser feliz e leva o leitor a repensar sua vida. O grande diferencial e peça-chave da obra é o autoconhecimento, com o qual trabalho há mais de 30 anos”, explica.
O livro possui reflexões a respeito de situações cotidianas, exemplos de histórias, além de um roteiro com orientações e exercícios práticos. A obra também mostra que para acessar a felicidade real é preciso iniciar uma revolução interna que modifique comportamentos, pensamentos e sentimentos. O perdão tem destaque nesse processo, uma vez que mudar atitudes envolve uma visão honesta visão sobre si, ao reconhecer as próprias negatividades e dificuldades. “Vivemos guerras internas de diversos modos como quando o que penso não é o que sinto, o que sinto não é o que quero, o que quero não é o que faço e o que faço não me satisfaz, e alterar isso para obter paz interna é, essencialmente, por meio do perdão”, enfatiza Heloísa.