O amor excessivo quando encontra um narcisista pode acabar em abuso psicológico.
O amor excessivo quando encontra um narcisista pode acabar em abuso psicológico.| Foto: Bigstock

Parecia ser um conto de fadas. O namorado era médico, bem-sucedido e carinhoso. Só que o tempo foi mostrando a pessoa de verdade e o sonho virou um pesadelo. Maria é mais uma de tantas vítimas que já sofreram em relacionamentos abusivos e hoje tentam se recuperar. A história dela vai ajudar a contar o que é o “Love Bombing”, um termo em inglês utilizado para se referir a pessoas que demonstram o amor excessivamente.

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O relato de Maria, que teve a identidade preservada porque ainda briga na justiça com o ex-companheiro, é parecido com o de muitas mulheres. “As minhas amigas achavam que ele era muito apaixonado por mim”, conta ela. Foi depois de ficar totalmente dependente dele, que o comportamento mais agressivo ganhou espaço na relação. “Perdi toda minha alegria, meu empoderamento, minha autoestima”, revela.

Os dois tiveram uma filha e as coisas só pioraram. O médico, que organizava viagens românticas ao exterior, apontou uma arma para Maria. Foi só depois de conseguir gravar as ameaças que ela conseguiu uma medida protetiva. Já são três anos de terapia para tentar se recuperar dos danos psicológicos de viver essa história.

Abusador narcisista

A situação não precisa ser nem extrema como a de Maria, nem envolver violência física. Alessandra Diehl, psiquiatra e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos em Álcool e outras Drogas, explica como se comporta o chamado abusador narcisista. “Ele estuda a vítima e conhece tudo sobre a pessoa. Ao se aproximar faz o outro acreditar que encontrou a alma gêmea. Só que depois da idealização vem a desvalorização, quando ele já tem essa pessoa na mão”, afirma.

Durante essa primeira fase, em que quer conquistar o outro, o abusador demonstra o afeto de forma excessiva. É o chamado bombardeio de amor, que, com a popularização das redes sociais, ganhou ainda mais destaque. “A expressão de amor não é um problema. O termo é negativo porque faz parte da primeira fase do ciclo do abusador narcisista”, ensina a médica.

Depois de criar um vínculo de dependência emocional, financeira, sexual e domínio sobre a outra pessoa, o abusador passa a desmerecer o outro até descartá-lo. A vítima fica completamente perdida e sem saber como se recuperar, de acordo com Alessandra.

Com a Maria, foi isso que aconteceu. As pessoas de fora acreditavam que a preocupação excessiva do ex-namorado era o jeito de demonstrar afeto, mas era justamente uma forma de manter o controle sobre ela. A psicóloga especialista em terapia cognitivo-comportamental e mestre em ciências pela USP, Elaine Di Sarno, diz que mesmo quem não tem a intenção de prejudicar o outro, pode sufocar a relação ao fazer loucuras de amor.

“É prejudicial porque sufoca a outra pessoa. Ela se sente controlada. Isso ultrapassa o limite do relacionamento”, destaca a psicóloga. É um traço, também, de baixa autoestima e, de acordo com Elaine, pode projetar no outro um sentimento de insuficiência. A relação abusiva é prejudicial para ambos os lados, em casos assim.

Intencional

Alessandra esclarece que no “Love Bombing”, o abusador age com intenção, não é um simples traço de personalidade. “O narcisista age sem se importar com os outros. É intencional”, alerta. A solução é ajudar as vítimas para que não repitam o padrão e se envolvam em novos relacionamentos desse tipo, uma tendência bem comum, na opinião da psiquiatra.

Maria conseguiu sair da relação somente depois de sofrer ameaças graves e encontrou na terapia e na internet a força necessária para recomeçar. Ela voltou a estudar e começou uma página para entrevistar especialistas no assunto e fazer disso também um diário pessoal. É uma forma de se ajudar e, também, de acolher outras mulheres. “A briga daquelas vítimas que sobrevivem aos abusos é justamente reconstruir a autoestima e isso não acontece de um dia para o outro”, desabafa.

Para a psicóloga Elaine, mesmo sem perceber que age dessa forma, quem acredita amar demais não consegue ser feliz. “Não é um amor saudável, é um sentimento que domina, que cansa, que mina a pessoa, consome”, reforça. Dificilmente a pessoa procura ajuda sozinha e precisa que os amigos e a família ofereçam suporte e encaminhem para psicoterapia. No caso mais grave, do abusador, Alessandra esclarece que não há tratamento psicológico ou psiquiátrico indicado. E revela, ainda, que são as mulheres as principais vítimas.

É bem o que percebe Maria, nos comentários na página que criou. São muitas as mulheres que buscam apoio. Para ela, a dependência gerava crises de ansiedade e até tremedeira, mas a cada dia consegue se sentir melhor e mais forte para recuperar o controle da própria vida.

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