Coloque duas pessoas vindas de contextos diferentes, formações diferentes, percursos diferentes e famílias diferentes convivendo no mesmo espaço, sete dias por semana, dividindo a cama, a louça, o banheiro, o cesto de roupa suja e as contas, em uma experiência sem prazo para ser encerrada. Em algum momento, atritos acontecerão. Não tem problema – o problema acontece quando uma briga se torna a oportunidade para golpes baixos que podem ferir o outro muito mais do que um boleto imprevisto ou a toalha molhada esquecida em cima da cama.
“Brigas podem ser úteis para um casal”, garante o psicólogo Matheus Vieira. “A briga pode não ser boa no sentido de prazerosa, mas pode ser boa no sentido de produtiva, gerando entendimento e fazendo o casal sair da briga melhor do que quando entrou. É importante, porém, que o motivo esteja claro e que se brigue por algo atual e pontual. Brigas que discutem sobre fumaça ou sobre o passado, e que assim não levam a lugar algum, não ajudam”.
E para que a briga resolva os problemas em vez de multiplicá-los, ela não pode descambar para a ofensa. Manter a consciência de ter diante de mim alguém a ser respeitado por sua própria humanidade, e ainda mais pela história que compartilha comigo, é fundamental no relacionamento de um casal, seja nos momentos de tranquilidade ou nos mais exaltados.
“O vocabulário ofensivo gera um efeito tóxico no relacionamento”, aponta a psicóloga Clarice Ebert. “Quando um casal utiliza expressões ofensivas está indo na contramão da construção da intimidade. Em vez de se encontrarem como pessoas, numa reciprocidade afetiva nutridora da autoestima um do outro, os envolvidos acabam se repelindo e distanciando”.
A regra de ouro
A dica é, na verdade, muito simples, mas faz uma diferença enorme. “Uma regra é nunca ofender a pessoa. Aponte a atitude que desagradou você. Em vez de dizer: ‘Você é um idiota’, diga: ‘Não foi legal você ter feito isso’”, orienta Vieira. E essa é uma regra – que não admite exceções – exatamente porque é difícil saber quando determinada ofensa será um golpe baixo para valer, capaz de machucar permanentemente o relacionamento, ou quando será, por outro lado, uma banalidade sem efeito algum.
“Os adjetivos que emitem juízos de valor podem ter conotações muito diferentes de acordo com a família”, explica o psicólogo. “Um homem cresceu sendo o aluno que tinha sempre boas notas e era elogiado por ter boas ideias. Se ele faz algo de errado e a esposa o chama de ‘burro’, esse xingamento não encontra eco na cabeça dele. Ele sabe que não é burro, nunca foi chamado assim e nunca sofreu por isso. Mas se ele é um cara que sofreu por ter tido notas baixas, ser comparado com os irmãos e ter reprovado de ano, chamá-lo de ‘burro’ tem muito mais peso”.
Por isso que, mesmo com os ânimos exaltados, não dá para perder a sensibilidade diante do outro. “Considerar as histórias de vida e o peso que cada palavra tem para cada um faz toda a diferença para que uma briga seja frutífera – para que o casal aprenda com ela, possa se conhecer melhor e tudo fique bem no final. Do contrário, é uma briga que tenta apagar incêndio com gasolina”, diz Vieira. “Por conta do equívoco ao usar palavras que ofendem mais do que imaginávamos, uma briga pequena pode virar uma briga gigantesca e até acarretar um divórcio”.
“Essas expressões são especialmente tóxicas quando vêm agregadas às palavras ‘sempre’ ou ‘nunca’, por gerar a desesperança do reconhecimento de que se pode mudar, melhorar ou recuperar a si mesmo, o outro e a relação. Expressões como ‘você sempre é’, ‘você sempre faz’ ou ‘você nunca é’, ‘você nunca faz’ carregam afirmações que expressam valorações definitivas, como se fossem diagnósticos fechados”, acrescenta Clarice.
É claro que não se trata apenas de evitar uma ou outra expressão, mas de mudar a mentalidade com relação à forma de interagir com o outro, nos momentos alegres ou nos críticos. “Um casal caminhará melhor se entender que as crises, apesar de serem inevitáveis, podem ser enfrentadas de forma ética, respeitosa e amorosa. Para isso será necessário que o casal aprenda a interagir dialogicamente. Numa relação assim, ambos terão espaço para ser pessoas com liberdade para contar de si para o outro”, sublinha a psicóloga.
Para estar mais atento nesse sentido, lembre-se então de evitar usar expressões como as seguintes:
- Expressões de acusação, como “você é mentiroso/a”, “você é louco/a”, “você é preguiçoso/a”
- Expressões de desqualificação, como “você não vale nada”, “você não merece minha atenção”, “você não faz nada direito”
- Expressões de culpabilização, como “você mentiu”, “você estragou tudo”, “você me enganou”
- Expressões de comparação, como “você é igualzinho/a ao seu pai/à sua mãe”, “você é igual àquele/a seu/sua amigo/a que não presta”, “você não é como fulano/a: ele/a sim é que me valoriza”
- Expressões de condenação, como “vá se ferrar”, “vá para o inferno”, “você nunca vai mudar”