Foto: Bigstock
Foto: Bigstock| Foto:

As marcas deixadas por um agressor vão muito além de arranhões ou hematomas. O abuso emocional sofrido, na maioria dos casos por mulheres, faz com que um tempo que era para ser feliz com alguém especial, se torne uma prisão. E para quem imagina que um relacionamento para ser considerado abusivo precisa acontecer necessariamente entre casais que estão casados, engana-se. Essa situação é bem comum entre namorados.

De acordo com o site Livre de Abuso, 57% das jovens entre 14 e 24 anos, com renda familiar até R$ 6 mil, já tiveram um parceiro que quis controlar suas amizades ou lugares que elas iam.

Fernanda tem hoje 24 anos e conta que seu primeiro namoro, há dez anos, pode ser considerado saudável se comparado ao da maioria das suas amigas que perderam a virgindade na época, por pressão do parceiro. No caso dela, a imaturidade trouxe outras consequências.

“Comecei a namorar aos 14 anos e a nossa falta de maturidade fez com que ele fosse extremamente ciumento e possessivo comigo. Os amigos homens que eu tinha eram amigos dele também, mas se eu tivesse algum amigo fora do nosso círculo, ele fazia escândalo até eu terminar a amizade. Deixei de conversar com alguns amigos por causa disso e acabei me distanciando de outros, porque eu só podia sair na companhia dele – e ele não gostava muito de sair, muito menos com os meus amigos. Ficamos juntos por dois anos e depois da relação eu saí completamente sozinha, sem amigos, porque minha vida passou a girar em torno da vida dele. Eu achava que era um sacrifício normal de uma relação, mas só depois de começar a conversar com outras mulheres foi que eu percebi que eu não deveria ter aberto mão da minha individualidade dentro do namoro em momento algum. Hoje estou namorando com uma pessoa que me mostrou que ciúmes não é demonstração de amor e que é mais do que saudável a gente ter momentos separados. O namoro faz parte da minha vida, mas não é a minha vida”.

As conseqüências de um relacionamento abusivo, principalmente se ele for durante a adolescência, podem ser graves. A pessoa agredida pode abusar de algumas substâncias, passa a ter comportamentos sexuais arriscados ou distúrbios alimentares, de acordo com site Love is Respect.Org.

“Eu tive um namoro bastante complicado que durou seis anos. Ele me diminuía de todas as formas possíveis, por um problema psicológico dele. Todo dia ele dizia que eu era gorda, feia e sem graça e que nunca nenhum cara ia gostar de mim. Ele também me julgava sempre pelo tanto de pessoas com quem eu tinha ficado antes dele, que era um número bem baixo, mas mesmo que não fosse ele não tinha esse direito. Eu tinha quinze anos quando esse relacionamento começou e me afeta até hoje, sem dúvida alguma. Tenho pouquíssima autoestima, tenho distúrbio alimentar e traumas de relacionamento. Isso pode até parecer bobagem, mas me afeta em quase todas as áreas”, diz Carolina, de 29 anos.

Foto: Bigstock

Os sinais desse tipo de relacionamento nem sempre recebem a atenção que deveriam. O fato da culpabilização da vítima persistir em nossa sociedade faz com que, em boa parte dos casos, a pessoa que sofre o assédio ainda procure entender se o que acontece com ela não é culpa dela mesmo, antes de pensar no que o outro está fazendo.

“Quando você se encontra em um relacionamento abusivo essa é a última coisa que você percebe, pois você deixa de se perceber, de perceber você mesma. A outra pessoa te consome, te diminui, te transforma e você praticamente deixa de existir. Você passa o tempo todo a não ter certeza das ações que vai tomar, pois toda e qualquer coisa é avaliada, é punida, é destruída. Teus sonhos já não fazem mais sentido, você na verdade, nem sabe mais se merece eles. Então quando você sai desse relacionamento, você não sabe mais quem você é. Tudo o que você tinha construído sobre ser e conquistar ficou destruído. Você não tem certeza mais do quanto será avaliada pela roupa que está usando, pois por um tempo isso se tornou errado e se transformou nisso por que você ouviu os mais baixos palavrões pra te descrever. A pessoa que pratica um relacionamento abusivo está tão perdida tanto quanto a que sofre com ele, mas, esta, por agredir e não por ser agredida, dificilmente vai procurar ajuda. E é aí que está o perigo: todos precisam de ajuda”, conta Luiza, de 29 anos, que viveu também um namoro abusivo.

 

Quando chega ao extremo

Laura, de 24 anos, viveu um relacionamento curto, mas que levou o tempo suficiente para passar do céu ao inferno:

“Namorei por nove meses um cara que tinha problemas na família. Ele era adotado e parecia não aceitar a família em que estava. No começo ele sempre foi muito carinhoso, mas conforme o tempo foi passando ele começou a demonstrar sinais bizarros de insegurança. Ele duvidava que eu ia para faculdade, ligava sempre para saber onde eu estava e pedia para eu mandar uma mensagem para ele com foto mostrando que eu estava usando aliança. Um dia fomos a um show e ele bebeu um pouco demais. Falou algo no meu ouvido que eu não tinha entendido direito, mas deduzi que fosse ‘Você me ama?’ E eu disse que sim. Do nada ele me beliscou muito forte na barriga. O que ele tinha perguntado na verdade era: ‘Você me trai?’. Essa foi a segunda fase de mudanças, depois das pressões psicológicas que ele fazia.

Um tempo depois ele começou a me afastar dos meus amigos, falando que só ele podia me fazer feliz e que nem minha família podia. Ele dizia que se eu o largasse, ele se mataria. Uma vez fiz um amigo novo e ele viu que eu sempre falava com ele, mas eu não tinha interesse algum, além da amizade. Num dado momento eu estava respondendo minha mãe, pelo celular e ele, achando que era esse amigo, simplesmenteme deu uma cotovelada que chegou a me cortar. Havia ‘escorregado’. Depois disso decidi terminar. Liguei e pedi para que me encontrasse em casa. Eu estava sozinha e achei que seria melhor, porque ia poder conversar direito. Ele já chegou na defensiva me agredindo com palavras antes de eu dizer o que queria. Mandei ele calar a boca e disse que achava que não estávamos dando certo. Ele partiu para cima de mim, dando vários chutes nas costas e no rosto. Tenho problema na bacia até hoje, uma cicatriz na sobrancelha e um osso do pulso que trincou na época, mas até hoje ele estala. Ele me deu alguns socos e chutes e depois foi embora. Pedi para uma amiga me socorrer, mas fiquei com medo de falar na hora o que houve, e só disse que caí da escada. Depois, no hospital, falei a verdade. Ela me levou na delegacia da mulher, fiz um boletim de ocorrência e corpo delito. O policial que me atendeu, ainda perguntou se eu não tinha feito nada para irritar meu namorado, em um tom irônico que me dá nojo até hoje. Hoje meu ex-namorado não pode chegar a 100 metros de mim, mas ele ainda me manda mensagem no Facebook e às vezes passa de carro na frente da minha casa. Isso vai fazer sete anos já.

Até hoje tenho problemas para me relacionar com meu namorado atual. Ele entende o que eu passei e nunca reclamou de qualquer crise que eu tive nesses quatro anos em que estamos juntos. Às vezes, no entanto, eu me sinto mal por ter novos amigos e sair sem meu namorado, mas ele sempre me acalma e diz que sou livre para conhecer novos amigos e sair à noite sem ele. Tenho problemas sexuais por conta de achar que ele pode não gostar de mim, ou que eu não agrade, porque sempre vou achar que sou feia e tudo mais. Sofro de ansiedade e depressão, mas eu estou superando tudo isso graças ao meu namorado e à terapia”.

 

Concept photo of domestic violence. Woman in fear of domestic abNo caso de Bianca, de 30 anos, a opressão sofrida no relacionamento, junto com a depressão crônica quase a levou ao suicídio.

“Entrei nesse relacionamento com uns 17 anos, e ele se estendeu até meus 21. No começo era um relacionamento normal, brigas, desentendimentos, ciúmes, como um namoro na adolescência é. Ele morava com a família em Curitiba, e eu vim morar na cidade sozinha, para poder estudar. Então eu me sentia muito só e acho que esse sentimento de solidão, de estar longe da minha família e melhores amigos, teve grande influência em como tudo ocorreu. Eu estava permanentemente vulnerável. Não me lembro muito bem, mas posso dizer que eu passei a ter, de forma muito sutil (com a qual nem eu percebi de pronto), a impressão de que meu namorado estava mais controlador, até que cheguei a um ponto em que parei de sair com as minhas amigas. Meus amigos, em geral, eram os mesmos que os dele e passávamos grande parte do dia juntos. Não sei precisar hoje se isso ocorreu por uma imposição da parte dele, ou se a minha carência foi me levando a me apegar à pessoa mais próxima a mim em um grau excessivo.

Nas férias nos separávamos e cada um ficava com a sua família. Um dia ele disse que iria me visitar, mas ele não apareceu na rodoviária. Eu me desesperei, corri atrás e descobri que ele havia me traído naquelas férias inteiras. Eu tinha provas concretas com e-mails e outras coisas, e quando fui confrontá-lo, apanhei. Simples assim. Com a resposta de porque eu fui mexer nas coisas dele, que eu não tinha direito de invadir a vida dele daquela forma.

Nesse tempo, já passava grande parte do tempo na casa dele e não mais ficava sozinha em minha casa. Lembro de a mãe dele me perguntar por que estávamos brigando. Eu disse que o filho dela havia me traído. Ela me disse que isso era uma atitude comum dos homens e que nós mulheres deveríamos apenas entender e seguir em frente, porque no final das contas quem estava dentro da casa dele era eu.

O tempo se passou, e as agressões eram cada vez mais recorrentes. Agora por motivos mais banais; pequenas brigas. Eu tive o nariz quebrado, perna lesionada, ameaças de morte. Constantemente nas brigas ele me trancava para fora do apartamento sem chave, de madrugada. Eu lidava com tudo sozinha: ia ao hospital e mentia para os meus pais quando eles me viam.  

No final das contas, entre idas e vindas e muitos insultos, ele me maltratando descaradamente, eu tentei suicídio. Quero deixar bem claro, pois isso ficou claro pra mim ao longo destes anos de terapia, eu não tentei suicídio porque tinha um namorado opressor. Eu tenho depressão crônica desde os 16 anos e sou mais suscetível a me ‘afetar’ facilmente por algumas situações. Viver a vida que eu levava foi uma dessas situações, mas eu tinha outras tantas questões dentro de mim que também contribuíram pra isso. Mas é impossível não lembrar, que as últimas palavras que eu ouvi foram as dele, e foram palavras muito duras para me encorajar a tomar tal decisão.

Esse evento me aproximou mais dos meus pais, para não ser internada tive que retomar toda minha rede de amigos que se responsabilizaram em me cuidar e ajudar a terminar o ano na faculdade”.

Deixe sua opinião