Relacionar-se é uma tarefa complexa que implica no respeito a si mesmo e no investimento amoroso no outro. A grande verdade é que não existe uma receita mágica para que um relacionamento afetivo dê certo ou uma “regra de três” que aponte objetivamente quando é hora de exigir e quando é hora de ceder, acredita a psicóloga Gisseli Cristina Teresin de Amorim.
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Ela, que trabalha visando a saúde emocional dos indivíduos em suas relações mais significativas – conjugal e familiar, constatou nos consultórios de psicologia uma inabilidade dos casais cada vez maior para construir os limites entre ceder ou não suas vontades.
Qual a diferença entre ceder e se anular em um relacionamento?
Anular-se em um relacionamento significa deixar de lado a individualidade e as coisas que lhe fazem bem, tanto no que tange às atividades de interesse, quanto ao relacionamento com pessoas de quem se gosta e tem apreço, ensina Maria Silvia Todeschi de Sousa, psicóloga de Família e Casais.
“É viver como um apêndice do outro, sem uma estrutura psíquica de valores, sem ter os paradigmas na vida, com uma fragilidade muito excessiva, realizando qualquer coisa por medo de perder o outro, é uma deturpação do amor”, exemplifica Lelia Cristina de Melo, psicóloga e orientadora familiar, especialista em neuropsicologia, educação e desenvolvimento familiar e pessoal.
Diferentemente, ceder em um relacionamento, de modo geral, segundo a orientadora familiar, é uma conduta normal, boa e esperada. Portanto, ceder algumas vontades em prol da felicidade do outro não deve ser confundido com a anulação.
“Ceder é legítimo e maduro porque deve ser de forma pontual, em aspectos inferiores para conservar algo superior que é o relacionamento, a interação, amor ou amizade. O vínculo está acima de pequenos desejos superficiais”, destaca Lelia.
Para ela, essas condutas fazem parte do amor, já que, quando ambas as partes cedem, tornam o relacionamento completo, satisfatório e legítimo, já que a personalidade madura demonstra o amor prestando serviços ao próximo, tendo o outro como prioridade máxima.
Portanto, é saudável ceder pela felicidade do outro?
Sim, desde que as pessoas mantenham sua individualidade, acredita Maria Silvia. Afinal, ceder é dar espaço para construção de códigos e regras comuns no relacionamento. “O importante nesse processo é que a relação não se mantenha num estado comum da fase da paixão, que chamamos de fusão, onde os interesses individuais ficam esquecidos”, destaca a psicóloga.
Uma pessoa madura, para Lelia, não se importa em deixar de satisfazer desejos pontuais e periféricos para satisfazer de quem lhe é amado. Isso não quer dizer que se tornará alguém insatisfeito com a vida, porque uma pessoa equilibrada também busca realizar seus desejos e impulsos mais nobres.
“O ideal é uma relação inteligente, em uma equação “ganha-ganha” e não “perde-perde”. Ninguém deve ceder 100% do tempo, mas de maneira criteriosa, bem pensada, por amor. Portanto, ceder é saudável pela felicidade do outro, inclusive do filho, cônjuge, mãe ou colega de trabalho”, complementa ela.
Até quando ceder as próprias vontades pela felicidade do cônjuge?
Para saber o limite das cessões feitas em prol do cônjuge, Maria Silvia orienta que cada um observe se aquilo que cede pela relação ou pela parceria não anula a satisfação de suas próprias necessidades. “É fundamental que cada pessoa tenha seus momentos de prazer e de hobbies individuais para que, quando ceder ao desejo do outro, não esteja fazendo um sacrifício e sim uma escolha”.
Além disso, Lelia destaca que a concessão deve ser realizada para questões importantes para o próximo e não para qualquer desejo. Afinal, todos somos humanos e temos a tendência em buscar nossa satisfação. “Devem ser descartados desejos impróprios, como ficar acordado até de madrugada para assistir um filme em dia de semana. Assim, aquele que cede precisa ser inteligente para evitar ceder de maneira compulsiva, impensada e não programada”, destaca a psicóloga.
Para ela, um modo eficaz de mensurar o limite das cessões realizadas deve ser por meio de uma análise da quantidade, intensidade e duração das concessões feitas. “Quantas vezes eu cedo? Todos os dias? Em todas as situações? Deixo de cumprir com um compromisso particular para conceder para outra pessoa?”, essas perguntas podem contribuir para identificar se a gentileza ultrapassou os limites saudáveis, alcançando o âmbito da anulação, através da carência ou dependência do outro.
Por isso, Gisseli destaca a necessidade de cada um descobrir e valorizar quem se é, não atribuindo ao outro a responsabilidade pela própria felicidade ou pelos próprios erros, podendo assim respeitar o espaço e a individualidade alheios, com recursos pessoais para projetos em comum.
Vale lembrar, segundo Maria Silvia, que conforme a variação de momentos de vida, pode haver alternância na contemplação de algumas necessidades, como quando a promoção profissional de uma pessoa leva a mudança de cidade e o casal decide contemplar, naquele momento de vida, a carreira de um, enquanto o outro assume outros papeis dentro da família, como cuidado com os filhos ou pausa na própria vida profissional.
Alerta de desequilíbrio
O equilíbrio numa relação saudável é como um contrato que permite a contemplação do espaço individual de um, do outro e da própria relação, onde são respeitadas a individualidade de ambos e também as regras construídas para o relacionamento.
Portanto, quando a pessoa fica triste e com pouca motivação para suas atividades individuais, reconhece e satisfaz apenas as necessidades do outro, não investe nela mesma e nos seus interesses ou não há liberdade de escolhas pessoais, deve ser a hora de frear e analisar como corrigir o desequilíbrio no relacionamento, orienta a psicóloga.
“Comprometer-se com outra pessoa, com o desenvolvimento de uma relação cuja harmonia implica empenho e tempo, exige autonomia emocional, responsabilidade e criatividade. Fazer a transição do ‘meu’ para o ‘nosso’ implica em ‘eu’s’ sarados e relações entre iguais maduros e autônomos” finaliza Gisseli.