Na exortação apostólica Amoris Laetitia, “A alegria do amor”, publicada nesta sexta-feira, o papa dedica o segundo capítulo a analisar a situação da família na atualidade, porque pretende refletir “com os pés no chão” e atingir as famílias concretas, e não um ideal. Francisco constata ali os diversos problemas que levam à desvalorização do casamento.
O elenco de desafios é um bom exemplo do olhar global que caracteriza a exortação. Confira sete dos principais problemas, segundo o papa, que levam os jovens de hoje a não querer se casar, a adiar o casamento ou a construir um casamento frágil:
1. A instabilidade própria do ritmo de vida atual. Segundo o papa, hoje se confunde a liberdade com a ideia de que cada um julga como lhe parece, como se “não houvesse verdades, valores, princípios”. Um vínculo definitivo, como o casamento, parece algo impensável nesse contexto. “Teme-se a solidão, deseja-se um espaço de proteção e fidelidade, mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das aspirações pessoais” (n. 34), constata Francisco.
2. Maneiras inadequadas de apresentar o ensinamento cristão sobre o casamento. O papa convida a Igreja a uma autocrítica: tem-se ensinado sobre o matrimônio de forma fiel? Percebe-se claramente a relação entre a mensagem da Igreja sobre a família e a pregação de Jesus? Ou enfatizam-se as exigências, sem se preocupar em despertar a abertura à graça? O papa chega a questionar até mesmo se a Igreja tem oferecido horários adequados para o acompanhamento dos jovens casais (n. 36-38).
3. A cultura do descarte. O papa denuncia a mentalidade atual que pensa os relacionamentos em termos de custo-benefício. “Transpõe-se para as relações afetivas o que acontece com os objetos e o meio ambiente: tudo é descartável, cada um usa e joga fora, gasta e rompe, aproveita e espreme enquanto serve; depois… adeus” (n. 39), diz ele. O foco nos próprios interesses adoenta a capacidade de se doar e impede a construção de um projeto comum.
4. Imaturidade emocional e sexual. Francisco fala que muitas pessoas tendem a ficar “nos estágios primários da vida emocional e sexual”, devido a uma afetividade narcisista, ao uso de pornografia, à própria desvalorização ideológica do matrimônio e a uma concepção exclusivamente romântica do amor (n. 40-41).
5. A mentalidade antinatalista. Às vezes o puro desejo de manter certa “liberdade e estilo de vida” leva ao temor de se ter filhos. Vários fatores somados, como os problemas econômicos e a revolução sexual, geraram uma mentalidade segundo a qual o filho é visto antes de tudo como um fardo. Segundo o papa, isso leva a uma “perda de esperança no futuro” (n. 42). Um Estado que intervenha de forma coercitiva a favor da contracepção age de forma contraditória e negligencia o próprio dever.
6. Carência de políticas para a família. “Quem casa quer casa”, diz o ditado. Muitas vezes adia-se o casamento indefinidamente por falta de uma habitação adequada. Francisco aponta que devemos insistir nos direitos da família, e não apenas nos individuais, e recorda um trecho de um documento de 1983 do Pontifício Conselho para a Família, a Carta dos direitos da família: “A família tem direito a uma habitação condigna, apropriada para a vida familiar e proporcional ao número dos seus membros” (n. 44). Como o bem que é para a sociedade, a família deve ser protegida, e isso inclui repensar diversas questões sociais, incluindo as relações de trabalho. A longa jornada de trabalho, por exemplo, muitas vezes agravada pelo deslocamento, impede a convivência familiar.
7. A desconstrução jurídica da família. Francisco alerta para os danos de se alargar a concepção de família. “As uniões de fato ou entre pessoas do mesmo sexo não podem ser simplistamente equiparadas ao matrimônio. Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da vida garante o futuro da sociedade”, escreve o papa. Segundo ele, só “a união exclusiva e indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social plena”, devido à sua estabilidade e fecundidade (n. 52-53).