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A curitibana Ana Paula Fernandes de Souza tem 37 anos e sempre sonhou em ser mãe. Desde muito nova, imaginava passar aos filhos o mesmo amor que foi transmitido a ela por seus pais. Hoje técnica em enfermagem, Ana, aos seis meses de idade, foi deixada em uma delegacia. Era junho de 1983. O irmão e a cunhada do escrivão que presenciou a entrega a acolheram como parte da família e, desde então, a rodearam de muito amor.

Assim como sonhava, Ana engravidou, aos 17 anos. Porém, com o mesmo amor que o gerou, convive hoje com a dor da morte de seu filho. Lucas interrompeu sua vida em novembro de 2019, aos 19 anos.

Lucas foi fruto de um primeiro relacionamento que durou cerca de 5 anos, e deste, além do rapaz, Ana teve mais uma filha, Ana Marya, 18. Após a separação, ela e os filhos viveram com seus pais e sempre tiveram um bom relacionamento com os avós que, inclusive, eram muito próximos: “depois do divórcio, meus pais ajudaram em tudo”, conta. Depois de 11 anos de separação, Ana conheceu seu atual esposo, Wilian Assis da Costa, e com ele tem mais 2 filhos, Francisco, 7, e Helena, 5.

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Apesar da separação e novo relacionamento, Ana descreve que todos tinham um bom convívio: “meu ex-marido sempre teve acesso às crianças. Eles sempre tiveram uma boa convivência, nós sempre tivemos uma boa convivência. E o Lucas era o ‘manão’ que brincava, que ajudava nas tarefas da escola. A saudade para toda família é enorme”, lamenta.

Querido por todos

Lucas fazia um curso técnico em administração durante a manhã e, à tarde, trabalhava em uma loja de departamento e morava com a namorada. Era um menino tranquilo, foi uma criança alegre e esforçada. A mãe conta que ele não dava sinais de depressão, síndrome de borderline* ou outro transtorno psicossomático. Ele nunca teria demonstrado nada.

“Um ser humano incrível, de uma bondade, de um carinho, de uma ternura, e não é porque ele é meu filho. Um sorriso amável, um abraço sincero, um filho muito amado. Quando tudo aconteceu, as pessoas não acreditaram, ele não demostrou sinais. Eu penso que foi num momento desesperador, ou de estar sufocado, talvez já tinha algum problema e não conseguia externar ”, diz a mãe.

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O luto

“É muito difícil, a gente tenta buscar pontos ... onde falhamos. Onde a gente errou. Enfim, apesar de viver o divórcio, foi uma criança que sempre teve uma vida feliz. Sempre teve carinho, sempre teve amor! Sempre buscamos um bom ambiente familiar para eles. Me culpei muito, me culpo ainda, por não ter conseguido enxergar além. Às vezes a gente não enxerga o além dentro de casa”, lamenta Ana.

Em meio a dor na família, um é sustento do outro. Ana diz que nesse processo de luto, tem sido fundamental o apoio do atual marido, dos familiares e, em especial, dos outros filhos, que hoje são reflexo da esperança da vida a ser vivida, do hoje e do amanhã.

“O agora? O agora é difícil! Desde o momento da partida precisamos aprender a renascer todos os dias. O Lucas para mim foi uma lição de vida, com ele eu passei a ser responsável, eu me tornei mãe. Eu me tornei mais humana a partir do momento que ele veio para mim. Eu lembro desde o momento em que eu descobri a gravidez, eu tenho as ecografias guardadas. Um pedacinho meu que foi embora. Eu tenho em mente que a saudade vai ser constante, mas talvez um dia não seja tão doida quanto é hoje, porque faz só 10 meses”, conta.

E Deus neste momento?

“Desde o momento que eu soube da partida do meu filho, eu não culpei Deus. Muito pelo contrário, eu agradecia a Deus pelos 19 anos que ele permitiu ter um ser humano incrível ao meu lado, uma pessoa excepcional. Hoje procuro pensar no Lucas de uma maneira diferente. Penso que ele foi minha melhor parte. E Deus tem me sustentado para aguentar tudo isso. O que aconteceu comigo, o que vem acontecendo com nossa família, mostra que algo precisa ser transformado, mudado. Precisamos ver o mundo de uma forma diferente, por outra janela, se doar mais, amar mais, ter mais empatia com as pessoas”, detalha Ana.

Daqui para frente

“Existe uma Ana antes e depois do que aconteceu. Existia uma Ana invencível, que resolvia tudo, no dia 17 de novembro de 2019 essa Ana se quebrou. Nasceu uma Ana mais fragilizada, uma Ana diferente, que consegue expor mais seus sentimentos, há dez meses atrás eu tinha uma casca, e essa casca foi quebrada. A Ana atual está buscando renascer todos os dias”, diz.

Ana deseja ajudar outras mães e famílias que passam por este tipo de luto. Seja com uma conversa, com um ombro amigo, e, também, como uma forma de prevenção, de conscientização das pessoas, principalmente das famílias: “as pessoas acham que acontece na casa do lado, e não vai acontecer sua própria casa”, enfatiza ela.

“Não deveria existir só um mês de prevenção, os 365 dias do ano deveriam ser de prevenção. E o que eu posso dizer é que as pessoas precisam amar mais, sentir mais. Tudo isso serviu de aprendizado, às vezes a gente faz tudo mecanicamente e esquece que existem outras pessoas. Eu procuro viver esse amor intenso, hoje com mais vontade de amar e viver, do que há 10 meses atrás”, finaliza.

*Síndrome de Borderline: Transtorno mental caracterizado por comportamento, humor e emoções, instáveis, inconstantes.