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A notícia da marcação do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do recurso extraordinário que trata do homeschooling pegou muita gente de surpresa, até porque a morosidade do judiciário é algo tão presente em nosso país que não seria estranho se este caso permanecesse no limbo por muito e muito tempo. Para muitos isto era até o cenário mais interessante, uma vez que os efeitos do sobrestamento de todos os processos contra famílias educadoras continuaria garantindo ótimas condições para exercer a liberdade educacional, educando os filhos em um ambiente desescolarizado.

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Para outros mais ansiosos por uma definição, este julgamento é muito bem-vindo, porque poderá talvez definir um critério capaz de pacificar a questão, acabando com uma certa insegurança jurídica.

Mas imediatamente já observa-se também uma grande mobilização nas redes sociais, que deverá culminar em campanhas de conscientização em favor da constitucionalidade da educação domiciliar, e deixando claro que as famílias educadoras estão cada vez mais decididas a continuar praticando o homeschooling, independentemente do resultado dos votos dos senhores ministros do STF.

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A liberdade educacional está em xeque

Na verdade a decisão seja ela qual for significará um marco na história do Brasil relacionada a liberdade educacional. Este é o foco, e deste modo abarca outras inciativas inovadoras na área do ensino que não estão contempladas especificamente na legislação.

É importante salientar que no caso a ser julgado o tema não é novo, uma vez que a educação domiciliar já era constitucionalmente definida como um direito natural dos pais mesmo antes de 1988, restando agora somente demonstrar e reconhecer que a nossa “Constituição Cidadã” não o subtraiu, e portanto continua garantido no contexto dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. Esta é uma expressão verdadeira de liberdade educacional.

E é importante separa o joio do trigo. Desde 2016 há um projeto de lei  patrocinado por parlamentares de esquerda em discussão na Câmara dos Deputados, que visa instituir o que querem denominar de Dia Nacional de Defesa da Liberdade na Educação.  Audiências públicas já foram realizadas e requerimentos encaminhados, e o projeto é justificado por um dos seus autores como uma ferramenta para  opor-se a “crescente ameaça obscurantista na educação promovida por movimentos conservadores, que buscam cercear liberdades fundamentais de professores e estudantes”, referindo-se a movimentos atuais que de outra frente, buscam aplicar um freio ao uso indiscriminado do ambiente escolar como palco de uma atuação objetivamente orquestrada para fins políticos, ideológicos e partidários de caráter exclusivamente esquerdizante.

Na prática os defensores desta pretensa liberdade educacional querem impedir a efetivação do direito individual e familiar, que caminha na direção de uma  educação  livre de imposições governamentais ou de qualquer outra ordem. Ao defenderem os seus interesses, eliminam e desconsideram tudo o que for contrário aos seus intentos. Pretensamente defendendo o direito de livre expressão na escola, eles ironicamente repetem a lógica interesseira de um dos maiores ícones capitalistas do início da Revolução Industrial, Henry Ford, que publicamente defendia o direito do cliente possuir um carro da cor que o desejasse, desde que fosse preto,  e isto porque sabia ele que era esta a cor da tinta mais barata e que secava mais rápido, e os carros poderiam então ser montados mais rapidamente e com maior lucro. Os proponentes deste projeto de lei dizem defender a liberdade educacional, desde que seja vermelha.

O exemplo da Suprema Corte Americana

Já que citamos um personagem americano tão conhecido, vejamos um caso julgado pela Suprema Corte Americana que tornou-se  uma referência constantemente utilizada para a garantia do direito educacional famíliar, e que pode apresentar alguma semelhança como a nossa batalha de agosto próximo no STF.

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Em 1922 o Oregon era um estado americano que já possuía uma lei de educação obrigatória. Por força desta regra todas as crianças entre oito e dezesseis anos eram obrigadas a frequentar escolas públicas, com algumas exceções. Eram dispensadas as crianças que apresentavam alguma deficiência física ou mental que as tornavam incapazes de frequentar a escola,  aquelas que residiam muito distante da escola pública mais próxima, ou ainda crianças que estudavam em alguma escola particular reconhecida pelo governo. Também não necessitavam frequentar a escola pública crianças que eram educadas em casa ou que possuíam um tutor, sendo que para estas praticantes do homeschooling havia algum tipo de supervisão oficial, mas nada impossível de cumprir.

Até este ponto a legislação parecia perfeita, mas o que acabou gerando grande disputa judicial foi a atitude do  governo estadual, que com motivação xenófoba pretendeu evitar influências linguísticas e culturais estrangeiras  no período pós-guerra, e organizou um plebiscito que por 53% de votos a favor, decidiu excluir da lista de exceções as crianças inscritas em escolas privadas reconhecidas pelo estado, ou seja, as escolas particulares e as confessionais que eram principalmente católicas e algumas adventistas, episcopais e luteranas,  estariam fadadas ao fechamento até o ano de  1926, quando por força desta supressão na lei,  a escola pública seria então a única possível.

Uma escola católica e outra de padrão militar questionaram  em juízo a constitucionalidade desta norma, obtendo vitória e uma  liminar na justiça estadual, quando então o governo local e seus apoiadores apelaram para a Suprema Corte no julgamento que ficou conhecido como Pierce, Governor of Oregon et. al v. Society of the Sisters of the Holy Names of Jesus and Mary. 

Ao final, em junho de 1925 a Suprema Corte decidiu unanimemente que a emenda que alterava a legislação do Oregon e tornava o ensino público compulsório era inconstitucional, dando ganho de causa à instituição católica, apoiada por escolas confessionais de outras igrejas que atuaram como amicus curiae. 

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Mesmo considerando-se que a maior parte da demanda esteve relacionada às possíveis perdas causadas aos empreendimentos educacionais particulares, violando o direito de propriedade e de livre inciativa, o que a torna muito relevante é que embora não tenha tocado na liberdade já exercida pelas famílias educadoras daquele estado americano, a decisão também estabeleceu fortemente uma jurisprudência altamente favorável ao direito dos pais de controlar a educação dos filhos sem interferência do Estado, o que serviu de amparo a muitas outras demandas.

…achamos inteiramente claro que o Ato de 1922 interfere de maneira irrazoável na liberdade dos pais e responsáveis ​​de dirigir a educação e a educação dos filhos [268 US 510, 535] sob seu controle. Como muitas vezes até agora apontado, os direitos garantidos pela Constituição não podem ser restringidos por legislação que não tenha relação razoável com algum propósito dentro da competência do Estado. A teoria fundamental da liberdade sobre a qual todos os governos desta União repousam exclui qualquer poder geral do Estado para padronizar seus filhos, forçando-os a aceitar apenas instruções de professores públicos. A criança não é a mera criatura do estado; aqueles que o nutrem e dirigem seu destino têm o direito, juntamente com o alto dever, de reconhecê-lo e prepará-lo para obrigações adicionais.
Trecho da decisão proferida em 1º de junho de 1925

É impossível prever o que decidirão nossos onze ministros do STF, nem se o julgamento ocorrerá mesmo em 30 de agosto pois dependerá do ritmo de apreciação das ações anteriores. Uma vez iniciado, poderá ser suspenso se algum deles solicitar vistas ao processo. Enfim, o jogo não está definido, mas é certo que ao final a luta continuará vigorosa, porque qualquer que seja o resultado haverá muito trabalho à frente, seja no controle de possíveis regulamentações exageradas, ou na manutenção do firme propósito de todos os que entendem que se o tribunal perder a chance de fazer história, ela continuará sendo escrita, para o bem de uma sociedade que usufrua da liberdade educacional.