Nesta quinta-feira, o vaticanista italiano Sandro Magister publicou um interessante artigo sobre porque o papa Francisco raramente dá comunhão aos fiéis nas missas que celebra. Ao invés disso, ele delega a distribuição da hóstia consagrada aos auxiliares. Segundo o jornalista, trata-se de um ato de prudência, para evitar o oportunismo de pecadores públicos reconhecidamente impenitentes, como políticos defensores do aborto. Eles poderiam aproveitar a ocasião para tirar fotos e usar a imagem a seu favor, manipulando o gesto para simular uma aceitação do pontífice ou, no mínimo, fazendo parecer que seu erro não é assim tão grave.
É claro que se trata de uma suposição de Magister, mas ela está muito bem fundamentada em antigos escritos do então cardeal Bergoglio. Num livro de 2010, no qual dialoga com o rabino de Buenos Aires, Abraham Skorka, o papa revela sua preocupação:
“Em seu tempo, Davi foi adúltero e assassino intelectual e, no entanto, o veneramos como um santo porque teve a coragem de dizer ‘eu pequei’. Humilhou-se diante de Deus. A pessoa pode fazer um desastre, mas também pode reconhecê-lo, mudar de vida e reparar o que fez. É verdade que entre os fiéis há pessoas que não só mataram intelectual ou fisicamente, mas mataram indiretamente pelo mau uso do dinheiro, pagando salários injustos. Fazem parte de sociedades de beneficência, mas não pagam a seus empregados o que lhes corresponde, ou os escravizam. (…) De alguns conhecemos o currículo, sabemos que se fazem católicos, mas têm estas atitudes indecentes das quais não se arrependem. Por essa razão, em certas situações não dou a comunhão, fico atrás e a dão os ajudantes, porque não quero que estas pessoas se aproximem de mim para a foto. A pessoa poderia negar a comunhão a um pecador público que não se arrependeu, mas é muito difícil comprovar essas coisas. Receber a comunhão significa receber o corpo do Senhor, com a consciência de que formamos uma comunidade. Mas se um homem, mais que se unir ao povo de Deus, enviesa a vida de muitíssimas pessoas, não pode comungar: seria uma contradição total. Esses casos de hipocrisia espiritual se dão em muita gente que se refugia na Igreja e não vive segundo a justiça que prega o Senhor. Tampouco demonstram arrependimento. É o que vulgarmente dizemos que levam vida dupla”.
Coincidentemente, o vaticanista publica a análise na mesma data em que, há seis anos, o papa emérito Bento XVI falou pela primeira vez, de modo bastante específico, sobre a excomunhão de políticos abortistas. Foi numa entrevista concedida durante o voo que o trazia ao Brasil, em 9 de maio de 2007.
Na ocasião, o tema surgiu devido aos conflitos entre líderes da Igreja no México e parlamentares que se proclamavam católicos, embora tenham contribuído para a legalização do aborto na capital daquele país. Bispos locais anunciaram a excomunhão desses políticos.
A resposta de Bento XVI foi:
“Sim, esta excomunhão não seria arbitrária, mas sim permitida pela lei canônica, que diz que matar uma criança inocente é incompatível com receber a comunhão, que é receber o corpo de Cristo. Eles [bispos mexicanos] não fizeram nada de novo, surpreendente ou arbitrário. Simplesmente anunciaram publicamente o que está contido na lei da Igreja, que expressa nossa apreciação pela vida e que a individualidade humana, a personalidade humana estão presentes desde o primeiro momento”.
Nos últimos anos controvérsias semelhantes também se tornaram públicas na Itália e nos Estados Unidos. Em 19 de março, por exemplo, na primeira missa aberta celebrada pelo papa Francisco, estavam presentes o vice-presidente norte-americano, Joe Biden e a presidente do Partido Democrata, Nancy Pelosi. Ambos se declaram católicos, embora apoiem abertamente o aborto descriminalizado. Ambos receberam a comunhão, mas não das mãos do papa.
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Um agradecimento especial ao Everth Queiroz que traduziu o artigo do vaticanista e o publicou em seu blog.
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