O que uma lei sobre homeschooling no Brasil precisa ter para não ser inconstitucional
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As últimas semanas mostraram que o avanço do homeschooling no Brasil é um movimento imparável. Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a modalidade só seria válida no Brasil se houvesse lei que a regulamente, iniciativas locais se multiplicam, aumentando a pressão e a tendência por uma legislação federal.

A mais bem sucedida até agora foi o projeto de Vitória, no Espírito Santo, onde a proposta já cumpriu toda a tramitação. Foi aprovada pelos vereadores, vetada pelo prefeito, voltou para os vereadores que, por sua vez, derrubaram o veto. A cidade tornou-se a primeira do Brasil a regulamentar o ensino domiciliar.

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Na semana passada foi a vez da cidade de São Paulo surpreender aos desatentos e aprovar, ainda em primeiro turno, a lei que reconhece e regulamenta a modalidade na maior cidade do continente.

Ocorre que alguns entusiastas da modalidade acharam o texto do projeto “rigoroso demais”. Acho compreensível, mas também acho muito irresponsável querer influenciar nesse debate sem pleno conhecimento de contexto e o necessário senso de realidade. Uma coisa é considerar que trechos do projeto podiam mesmo ser aperfeiçoados, e dialogar por isso. Outra coisa, bem diferente, é colocar a própria aprovação em risco por conta de uma utopia que ignora o ordenamento jurídico brasileiro.

 

“Lei ideal” e lei possível

Ao que parece, a lei ideal para a parte mais radical desses críticos é aquela que não prevê envolvimento nenhum do estado. Nada de provas ou de qualquer tipo de fiscalização, mas apenas o reconhecimento de que é direito natural das famílias definir como os filhos serão educados e pronto.

Bom, essa não é apenas uma lei ideal, mas também uma lei impossível. Não se tornará realidade no Brasil. Se alguém nutria alguma esperança fundamentada em algo desse tipo, é importante conscientizar-se de que ela já não faz qualquer sentido desde o julgamento sobre ensino domiciliar que ocorreu no STF, em 2018. Naquela ocasião, a Corte tornou explícito o fato de que algumas formas de homeschooling são incompatíveis com a Constituição, e não podem ser consideradas válidas em nosso país. Leiam o que diz um trecho do acórdão referente àquele julgamento e publicado em maio desse ano:

“Dessa maneira, as espécies de unschooling radical (desescolarização radical), unschooling moderado (desescolarização moderada) e homeschooling puro, em qualquer de suas variações, serão inconstitucionais, pois negam a possibilidade de participação estatal solidária, inclusive na fixação de um núcleo básico de fiscalização e avaliações”.

 

Portanto, no Brasil, é indispensável a “participação estatal solidária”, junto com a família, no processo educativo das crianças. Apesar disso, felizmente, a mesma decisão já apresenta as balizas a serem respeitadas pelos legisladores na hora de produzirem uma lei sobre o tema que seja considerada constitucional. O texto deixa claro que “somente é admitida pela Constituição Federal a possibilidade do ‘ensino domiciliar utilitarista’, com base no dever solidário Família/Estado, com regramento legal”, e elenca uma série de critérios indispensáveis para uma eventual legislação:

– Que a proposta de ensino domiciliar “cumpra a obrigatoriedade, de 4 a 17 anos”;

– “Que se respeite o núcleo básico de matérias acadêmicas”;

– Que passe por “supervisão, avaliação e fiscalização pelo Poder Público”;

– Que “sejam observados os objetivos e finalidades constitucionais do ensino; tal qual ocorre em relação ao ensino privado, tanto aquele economicamente destinado à iniciativa privada, quanto às escolas comunitárias, nos termos do artigo 209 da Constituição Federal”.

(O artigo 209 da Constituição diz: O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.)

 

Como é fácil supor, há mais de uma forma de fazer com que o texto legal atenda a essas exigências. A única coisa que não se pode é ignorá-las.

Qualquer um disposto a entrar seriamente nesse debate devia ler a íntegra do acórdão do STF. É o mínimo para não atrapalhar o processo de regulamentação, tão esperado e tão importante para tantas famílias.

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