Essa semana a jornalista Kamila Mendes Martins, da Gazeta do Povo, conversou com o pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da PUCPR, Waldemiro Gremski, ex-professor de embriologia na Universidade Federal do Paraná, e com a doutora Lenise Garcia, professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília. Ambos lamentaram a decisão do CFM e mostram porque, com base nas atribuições do conselho e no conhecimento da comunidade científica, o conselho não deveria ter feito o que fez.
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Posição do CFM não é pacífica entre médicos e pesquisadores
Apesar de o Conselho Federal de Medicina (CFM) defender novas excludentes de ilicitude para a prática do aborto no Brasil, a posição do órgão que representa a classe médica não é unânime no meio científico. Nem mesmo entre os médicos há consenso sobre o tema, tendo em vista que a própria entidade divulgou em seu site que a decisão não contou com o apoio de todos os 27 Conselhos Regionais de Medicina do país.
Além disso, pesquisadores afirmam que não existe justificativa para se determinar um período limite para a prática do ato. “Sob o ponto de vista biológico, não há publicações científicas que atestem que antes das 12 semanas de gravidez o feto não é um ser vivo.” É o que explica o ex-professor de embriologia da UFPR e pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da PUCPR, Waldemiro Gremski. “Com 12 semanas o feto já tem o corpo mais ou menos formado. Ele já é um ser humano. Ele já tem braços, pernas, cabeça. A partir daí ele basicamente cresce em tamanho”, diz.
Segundo o professor, a diferença entre um embrião de duas semanas e um de 30 é o número de células, portanto, um não poderia ter “mais direito à vida do que o outro”. “Não posso considerar uma criança de cinco anos menos importante do que uma de dez. Esse mesmo raciocínio tem de ser aplicado dentro da vida intrauterina. Uma criança de uma semana tem exatamente a mesma importância biológica, ética e moral que uma criança de sete meses de vida intrauterina.”
Atribuições
E as críticas ao posicionamento da entidade vão além. O CFM, ao propor uma mudança legislativa, estaria extrapolando os limites de sua função, de acordo com a professora do Instituto de Biologia da Universidade de Brasília Lenise Garcia. “O próprio estatuto do conselho não prevê que ele tome esse tipo de posicionamento. A missão do conselho é fazer com que a legislação seja cumprida pelos médicos e não a de solicitar mudança de legislação. É complicado que o CFM assuma esse tipo de atitude.”
Lenise chama a atenção para um diferencial na proposta do conselho em relação ao projeto de Código Penal que tramita no Senado. Três incisos propostos pelo CFM são exatamente iguais ao texto sugerido pela comissão que elaborou a proposta, mas, no quarto, o órgão limita à escolha da mulher a interrupção da gravidez até a 12ª semana de gestação, enquanto que o texto do Senado prevê um laudo médico que ateste a falta de condições psicológicas de a gestante levar a gravidez adiante. “Os médicos sabem que dar esse laudo médico é impossível. Eles estão se desobrigando desse assunto deixando por conta da própria mulher”, critica a professora.
Como é no Brasil hoje
A prática do aborto está tipificada como crime no Código Penal nos artigos 124 a 127. Contudo, a própria lei não pune a realização do ato praticado por médico quando não houver outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez resultante de estupro.
O que está no projeto do Senado
O projeto que deve ser analisado pelo Senado ainda neste semestre aumenta o leque de possibilidades em que a prática não é punida. Além das duas já previstas na lei, traz outras duas:
– Se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis
anomalias que inviabilizem a vida extrauterina, em ambos os casos atestado por dois médicos;
– Se por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.
Qual a sugestão do CFM
O Conselho Federal de Medicina defende praticamente o que já está no projeto do Senado, mas propõe que não seja necessária a constatação médica de que a mulher não tem condições de psicológicas de arcar com a maternidade desde que a decisão de interrupção da gestação se dê até a 12ª semana.
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