Quase dois meses depois da exposição Queermuseu, do Santander Cultural, ter debochado grosseiramente da fé cristã, e 38 dias depois de ter dito que não se pronunciaria sobre o caso, a CNBB resolveu, enfim, emitir uma nota sobre as frequentes e sucessivas agressões à fé cristã promovidas por “artistas” – sem mencionar nenhuma, frise-se.
O Blog da Vida relembra ao leitor que em 18 de setembro, este jornalista enviou uma pergunta à CNBB, questionando se não haveria nenhuma manifestação da entidade, já que várias organizações, cristãs e não cristãs, já haviam se pronunciado. A decepcionante resposta da entidade foi a que segue abaixo.
No entanto, a opção da presidência e da secretaria-geral da CNBB pareceu estar muito longe de representar a posição da totalidade dos bispos brasileiros, já que várias dioceses emitiram suas próprias notas de repúdio, inclusive uma subdivisão da própria CNBB, o Regional Nordeste 1, que corresponde aos bispos do Ceará. Os bispos cearenses publicaram, oito dias antes da presidência da CNBB, sua própria nota de repúdio – termo que a presidência da CNBB, seguindo o exemplo da arquidiocese de Porto Alegre, acanhadamente preferiu evitar.
A nota do Regional Nordeste 1, inclusive, jogou por terra o frágil argumento dado pela CNBB, por meio de sua assessoria de imprensa, para, inicialmente, calar-se sobre o caso Santander. Como o leitor pode ver no print do e-mail acima, a CNBB achava que a tímida manifestação da arquidiocese de Porto Alegre era suficiente. Aí, bispos do nordeste – portanto muito distantes de Porto Alegre – adequadamente e atendendo ao clamor de seus fiéis, pronunciou-se.
Teria sido esta carta a motivadora de uma ação tardia por parte da presidência e da secretaria geral CNBB? Teriam os responsáveis pela CNBB – nacional – se convencido de que o vexame de pronunciar-se tanto tempo depois seria menos prejudicial à própria credibilidade do que vergonha de simplesmente ter se calado em definitivo?
Reproduzo a seguir as duas cartas. Primeiro, a do Regional Nordeste 1, dos bispos do Ceará. Depois, aquela que foi emitida com dois meses de atraso pela presidência da CNBB. Leiam e comparem:
***
Nota de repúdio – Regional CNBB NE1-Ceará
Nós, bispos do Regional CNBB NE1-Ceará, reunidos em Conselho Episcopal Regional, manifestamos a nossa indignação e repúdio diante do escárnio público contra os nossos símbolos mais sagrados (Crucifixo, hóstia, imagem da Padroeira do Brasil) e contra valores fundamentais da vida humana. Ataques violentos e explícitos à família e à religião cristã têm sido feitos através de espetáculos de péssima qualidade que visam à apologia de práticas de sexualidade pervertida e anormal.
A Igreja não prega nem defende discriminação ou preconceito de qualquer natureza. Mas, comprometida com a verdade, defende e promove os valores humanos e cristãos, cumprindo assim, as exigências do Evangelho de Cristo.
Seríamos ingênuos ao pensar que esses últimos episódios (Exposição Queermuseu no Santander Cultural em Porto Alegre – RS, o artista nu que rala a imagem de Nossa Senhora Aparecida durante ‘perfomance’, em Brasília), dada à sua natureza e à evidência dos seus objetivos, não são apenas verdadeiros crimes de vilipêndio, o que já seria muito grave, pois o próprio Código penal os tipifica assim (Artigo 208). Trata-se de um verdadeiro projeto estrutural, profundo e nefasto, de desmonte dos nossos mais preciosos valores humanos e cristãos, através da banalização do matrimônio, da ideologia de gênero, da legalização do aborto, da liberação das drogas, da relativização dos valores morais nascidos do Evangelho e ensinados pelo Magistério da Igreja.
Por isso, denunciamos e repudiamos:
O “ataque explícito” aos valores humanos e cristãos da imensa maioria do povo brasileiro. Pois em nome de uma “liberdade” de imprensa, cultural, intelectual, artística impõe o desejo de uma minoria a toda uma coletividade.
O incentivo, patrocínio, promoção e “doutrinação” em massa, realizada diuturnamente em novelas, programas de “entretenimento” e da imposição ilegal, por órgãos governamentais e organizações não-governamentais, muitas destas de âmbito internacional;
A colonização ideológica, como alerta o Santo Padre, o papa Francisco: “Na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, na Africa, em alguns países da Ásia, existem verdadeiras colonizações ideológicas. E uma delas – digo-a claramente por nome e sobrenome” – é a ideologia de gênero (gender). Hoje às crianças às crianças -, na escola, ensina-se isto. O sexo, cada um pode escolhê-lo. E por que ensinam isto? Porque os livros são os das pessoas e instituições que lhes dão dinheiro”(Discurso aos Bispos da Polônia, 27.08.2015).
Portanto, convocamos todos os cristãos e pessoas de boa vontade a resistirem e protestarem contra todas as formas de destruição dos valores cristãos e da família, fazendo chegar a expressão do seu repúdio e indignação aos patrocinadores de tais campanhas e aos meios de comunicação que as veiculam.
Acreditamos numa sociedade justa e fraterna, possível apenas no compromisso com a vida, e vida em plenitude (Jo 10,10).
Que Deus nos fortaleça nessa árdua tarefa e a Querida Mãe Aparecida continue a interceder por todos nós.
Fortaleza, 18 de outubro de 2017
Dom José Antonio Aparecido Tosi Marques
Arcebispo da Arquidiocese de Fortaleza – CE
Dom Rosalvo Cordeiro de Lima
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Fortaleza – CE
Dom Ailton Menegussi
Bispo da Diocese de Crateús-CE
Dom Gilberto Pastana de Oliveira
Bispo da Diocese de Crato – CE
Dom Edson de Castro Homem
Bispo da Diocese de Iguatu – CE
Dom Antônio Roberto Cavuto
Bispo da Diocese de Itapipoca – CE
Dom André Vital Félix da Silva
Bispo de da Diocese Limoeiro do Norte
Dom Angelo Pignoli
Bispo da Diocese de Quixadá – CE
Dom José Luiz Gomes de Vasconcelos
Bispo da Diocese de Sobral – CE
Dom Francisco Edimilson Neves Ferreira
Bispo da Diocese de Tianguá – CE
Segue carta em PDF com as assinaturas dos Bispos: Nota CONSER out – 17
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Regional Nordeste 1
Rua Felino Barroso, 405
Fátima- 60050-130- Fortaleza – Ceará –
Caixa Postal, 126 – CEP 60001-970
Fone: – (85) 3252.4046
Site: www.cnbbne1.org.br
E-mail: cnbbne1@veloxmail.com.br
****
Agora, a nota emitida pela presidência da CNBB, curiosamente publicada 8 dias depois da nota dos bispos do nordeste:
Vencer a intolerância e o fundamentalismo
“E Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom” (Gn 1,31)
Os bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunidos em Brasília de 24 a 26 de outubro de 2017, dirigem esta mensagem ao povo brasileiro, diante de recentes fatos que, em nome da arte e da cultura, desrespeitaram a sexualidade humana e vilipendiaram símbolos e sinais religiosos, dentre eles o crucifixo e a Eucaristia, tão caros à fé dos católicos.
Em toda sua história, a Igreja sempre valorizou a cultura e a arte, por revelarem a grandeza da pessoa humana, criada à imagem e semelhança de Deus, fazendo emergir a beleza que conduz ao divino. “A arte é como uma porta aberta para o infinito, para uma beleza e para uma verdade que vão mais além da vida quotidiana” (Bento XVI – 2011). O mundo no qual vivemos, ensina Paulo VI, precisa de beleza para não cair no desespero (Cf. Mensagem aos Artistas – 1965).
Reconhecemos que “para transmitir a mensagem que Cristo lhe confiou, a Igreja tem necessidade da arte” (São João Paulo II – Carta aos artistas 1999). Somos, por isso, agradecidos aos artistas pela infinidade de obras que enriquecem a cultura, animam o espírito e inspiram a fé. Merecem destaque a pintura, a música, a arquitetura, a escultura e tantas outras expressões artísticas que ressaltam a beleza da criação, do ser humano, da sexualidade, e o espírito religioso do povo brasileiro. Arte e fé, portanto, devem caminhar unidas, numa harmonia que respeita os valores e a sensibilidade de cada uma e de toda pessoa humana na sua cultura e nos seus valores.
Lamentavelmente, crescem em nosso meio o desrespeito e a intolerância que destroem esta harmonia, que deve marcar a relação da arte com a fé, da cultura com as religiões. Se, por um lado, a arte deve ser livre e criativa, por outro, os artistas e responsáveis pela promoção artística não podem desconsiderar os sentimentos de um povo ou de grupos que vivem valores, muitas vezes, revestidos de uma sacralidade inviolável. O desrespeito e a intolerância, por parte de artistas para com esses valores, fecham as portas ao diálogo, constroem muros e impedem a cultura do encontro. Preocupam, portanto, o nível e a abrangência destas intolerâncias que, demasiadamente alimentadas em redes sociais, têm levado pessoas e grupos a radicalismos que põem em risco o justo apreço pela arte, a autêntica liberdade, a sexualidade, os direitos humanos, a democracia do País.
Vivemos numa sociedade pluralista, por isto, precisamos saber conviver com os diferentes. Isso, contudo, não subtrai à Igreja o direito de anunciar o Evangelho e as verdades nele contidas, a respeito de Deus, do ser humano e da criação. Em desacordo com ideologias como a de gênero, é nosso dever ressaltar, sempre mais, a beleza do homem e da mulher, tais como Deus os criou, bem como os valores da fé, expressos também nos símbolos religiosos que, com sua arte e beleza, nos remetem a Deus. Desrespeitar estes símbolos é vilipendiar o coração de quem os considera instrumentos sagrados na sua relação com Deus, além de constituir crime previsto no Código Penal.
Animamos a sociedade brasileira a promover o diálogo e o encontro, por meio dos quais as pessoas, em suas diferenças, respeitam e exigem respeito, e permitem sentir a riqueza que cada um traz dentro de si.
Nossa Senhora Aparecida, Mãe e Padroeira dos brasileiros, nos ensine o caminho da beleza e do amor, da fraternidade e da paz.
Brasília, 26 de outubro de 2017.
Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB
*****
Curta a página do Blog da Vida no Facebook