Passado o tríduo pascal, ápice do ano litúrgico, a Igreja celebra a ressurreição do Senhor ainda por mais 50 dias, até a celebração de pentecostes: é o tempo pascal. Ressurreição, ascensão (40 dias após a páscoa) e envio do Espírito Santo são um só mistério que instaura uma nova forma da presença de Cristo no mundo.
Na Igreja antiga, era no tempo pascal que os neófitos – aqueles que tinham acabado de ser batizados, justamente na páscoa – se aprofundavam no tema dos sacramentos. Isso foi retomado com a restauração do catecumenato, obra do Concílio Vaticano II: no Ritual de Iniciação Cristã de Adultos, o tempo pascal é o tempo da mistagogia. Não se trata de uma pedagogia arbitrária: o tempo pascal é precisamente o momento de aprender a identificar a presença do Senhor Ressuscitado na Igreja, sobretudo na liturgia, nos sacramentos.
Como vemos na Bíblia, as aparições de Jesus Ressuscitado são precisamente isso: aparições. Ele já não convive regularmente com os discípulos, como se apenas tivesse voltado à vida terrena, mas aparece para um, para outro, para um grupo, de maneira intermitente. Além disso, fica claro que Jesus já não é reconhecido pela aparência externa, e sim quando se abrem os olhos da fé.
A partir da ascensão, as aparições cessam, mas isso não significa que Jesus está ausente. Pelo contrário, está agora definitivamente presente junto aos seus. As aparições durante 40 dias foram a sua maneira de introduzir os discípulos em uma nova modalidade de sua presença.
São Leão Magno, papa de 440 a 461, diz que a partir da ascensão “aquilo que era visível em nosso Salvador passou para seus mistérios” (Serm. 74, 2, in CIC 1116) – “mistério” é o equivalente grego do termo latino “sacramento”, ainda que com uma pequena diferença de nuance. A páscoa é o momento de aprender a descobrir a presença do Ressuscitado nos sacramentos.
Neles, a sua presença é expressa, celebrada e transmitida de uma maneira que envolve todo o nosso ser. Dessa forma, os sinais sacramentais nos educam para dar a toda a nossa vida um sentido sacramental, tornando-nos capazes de perceber a presença do mistério de Cristo em toda a realidade.
Em suas aparições, o Ressuscitado nos mostra que a sua presença já não é mais delimitada fisicamente: em seu novo modo de existência, na vida definitiva, ele se faz presente a quem está aberto à sua presença. É uma presença completamente relacional: sua presença é sempre uma presença-para-o-outro. Nessa nova existência, distância e proximidade não são medidas em metros, mas em intimidade, abertura, comunhão.
Com isso, o Ressuscitado – enquanto perfeição humana e divina – nos mostra a nossa vocação final: a comunhão. A plenitude da nossa existência está em existirmos-para-os-outros, em fazer da nossa vida amor – à imagem do Deus-comunhão, Deus-Trindade, Deus-Amor, fonte da realidade. Viver a fé cristã é, assim, viver totalmente como filhos no Filho e, nele, viver para os outros.
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