Edjane Madza/PUCPR| Foto:

A República Tcheca é um dos países mais secularizados do mundo. Segundo dados de 2011, 79% dos tchecos se declaram ateus (34%) ou sem religião (45%). Os católicos, que eram 96,5% da população em 1910, hoje são 10%. É nesse contexto que o Monsenhor Tomáš Halík, de 70 anos, exerce o seu ministério pastoral à frente da Paróquia Acadêmica do Santíssimo Salvador, em Praga. A sua perspectiva, porém, não é pessimista: atuante na capelania universitária desde a queda do comunismo, há quase 30 anos, ele já batizou nesse período mais de 2 mil jovens tchecos.

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Conhecido por livros como Paciência com Deus, que ganhou o prêmio de Melhor Livro Europeu de Teologia (2009/2010), A noite do confessor, O toque das feridas e Quero que tu sejas, Halík é professor de Sociologia e Filosofia da Religião na Universidade Carolina de Praga. É a mesma universidade em que ele se doutorou em filosofia, em 1972 – quando foi declarado pelo governo comunista “inimigo do regime”.

Enquanto, publicamente, trabalhava como terapeuta de dependentes químicos, Halík atuou clandestinamente durante quase duas décadas organizando uma rede de intelectuais resistentes ao regime. Ao mesmo tempo, estudava teologia secretamente para se tornar presbítero – se sentiu chamado a oferecer completamente a sua vida inspirado pelo seu colega Jan Palach, que ateou fogo em seu próprio corpo em 1969 em protesto contra a ocupação soviética do país. Foi ordenado secretamente em 1978 – nem a sua mãe ficou sabendo disso durante anos.

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Por sua trajetória e por seu pensamento, foi laureado em 2014 com o Prêmio Templeton, uma espécie de Nobel da espiritualidade concedido desde 1973 a quem tenha feito “uma contribuição excepcional para a afirmação da dimensão espiritual da vida”. Entre os outros nomes que receberam o Templeton, estão Teresa de Calcutá, Roger Schütz, Chiara Lubich, Charles Taylor, Desmond Tutu e o Dalai Lama.

Halík esteve em Curitiba nessa semana como um dos convidados principais da edição deste ano do Átrio dos Gentios, evento promovido pelo Instituto Ciência e Fé da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) em parceira com o Pontifício Conselho para a Cultura e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Ele concedeu uma entrevista ao Acreditamos no Amor, que você confere aqui:

Em A noite do confessor, o senhor parte do trecho do Evangelho em que Jesus diz: “Se a fé de vocês fosse do tamanho de um grão de mostarda, vocês diriam a esta amoreira: ‘Arranca-te daqui e transplanta-te no mar’, e ela obedeceria a vocês” (Lc 17, 6). Geralmente entendemos a partir desse versículo que a nossa fé é minúscula, menor até do que um grão de mostarda. Mas o senhor cogita que talvez Jesus esteja pedindo que a nossa fé diminua. Uma fé mais madura é uma fé mais nua, que não se enche de certezas. Que pistas o senhor poderia dar para que cada cristão possa fazer um exame de consciência sobre o “tamanho” de sua fé?

Eu acho que a nossa época, uma época de secularização, é uma oportunidade. A crise da religião tradicional é uma oportunidade para a fé. Quando a religião não é tida por garantida, então precisamos ir em busca do verdadeiro cerne da nossa fé – e ler o Evangelho de novo. Acho que é exatamente isso que o Papa Francisco tem feito: libertar o cerne da fé do meio de tantas coisas que nós lhe acrescentamos. Quando o cristianismo se encarna em uma determinada cultura, às vezes coisas secundárias acabam ofuscando o seu verdadeiro núcleo. Precisamos nos perguntar: qual é o núcleo? Quais são os sinais dos tempos através dos quais Deus nos fala em uma situação histórica específica? Acho que o papa nos oferece boas respostas do que é o mais importante no seguimento de Cristo em nosso tempo: viver na misericórdia e no perdão, curar as feridas do mundo, ser responsáveis pelo meio ambiente e solidários com os marginalizados. Esses valores tinham sido obnubilados por várias outras coisas.

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Às vezes, quando a nossa fé está em crise e nós perdemos muitas certezas, é o tempo de tentar ir mais fundo – às vezes através da noite escura. Os grandes místicos, como João da Cruz, atestam que no nosso caminho espiritual há momentos de crise – e nós devemos atravessá-los. Acho que a fé cristã é a fé pascal – e a isso pertence também a Sexta-Feira Santa. Nossa fé e nossas certezas precisam ser vez ou outra crucificadas para então poder ressuscitar. E, assim como ressuscitar não é apenas voltar à mesma vida anterior, não se trata aqui de voltar à forma anterior de fé, mas de avançar para uma fé mais profunda e madura.

De acordo com o senhor, a sensibilidade à beleza é um bom indicador de uma espiritualidade saudável, profunda e autêntica. Quais experiências o levaram a essa conclusão?

Cresci em um país bastante secular, em um tempo em que a religião era perseguida. Nesse contexto, meu primeiro passo para a fé foi a experiência da beleza. Eu admirava a música, a arte e a arquitetura espirituais. No tempo do stalinismo, tudo que tinha a ver com a fé era proibido, mas ainda tínhamos as nossas belas igrejas medievais e barrocas. A sua beleza era um testemunho. O mesmo com peças musicais como o Stabat Mater de Dvořák e a literatura de autores católicos como Graham Greene e G. K. Chesterton. Para mim, então, os primeiros passos na fé não vieram do catecismo, mas da arte. Acho que a arte é o portão aberto para muitos buscadores. Claro, a fé não é apenas uma questão estética, mas essa é uma dimensão importante. Também acho muito importante a forma como a fé se manifesta artisticamente. Existe aquilo que é apenas kitsch – e acho que quando a arte cristã é kitsch, temos um sinal de alerta de que a fé se tornou ideológica. A arte religiosa kitsch frequentemente é apenas propaganda. A arte religiosa verdadeira é provocativa, não “bonitinha” ou superficial. Acho que esse é o sentido da arte: provocar questões mais profundas e não apenas ornar ou entreter.

O senhor diz que alguns “consideram o pensamento um luxo”, referindo-se a pessoas que dizem que reflexões como as suas não interessam à maioria da população. Lembra, porém, que justamente as pessoas que não se importam com questões sobre o sentido de sua vida são as mais indefesas diante da falta de sentido. Uma abordagem mais popular a questões filosóficas e teológicas complexas é um caminho para chegar a mais pessoas?

É importante distinguir entre o “popular” e o “populista”. Hoje predomina o populismo na política, no jornalismo, na arte, etc. O populismo é a doença mais perigosa da nossa época. É a tentação de dar respostas simples a questões complexas. Acho que precisamos provocar a coragem de pensar e de se aprofundar. Claro, os intelectuais têm um jeito específico de falar e de pensar, mas na minha experiência como capelão universitário vejo que não são apenas eles que se perguntam sobre o sentido da vida. E quanto às respostas, elas não são apenas teóricas. Há uma resposta implícita ao sentido da vida e um sistema implícito de valores em tudo aquilo que fazemos. Algumas pessoas podem não ter nem o vocabulário nem o tempo para pensar nessa questão de forma teórica e expressá-la de uma maneira filosófica, mas cada ato de nossa vida é uma resposta implícita à questão: o que é mais importante para nós? E essa dimensão prática é mais importante que a teórica. É no mesmo sentido que a Carta de Tiago diz que podemos mostrar a nossa fé através de nossos atos (Tg 2, 18). Essa fé implícita, que se manifesta não apenas através de palavras, mas de nossa atividade, é o mais importante – e é nisso que Deus está interessado.

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O senhor é capelão universitário há quase 30 anos. O que de mais importante você aprendeu sobre o cuidado pastoral da juventude em seu ministério?

Fui ordenado secretamente no tempo da perseguição na antiga Tchecoslováquia e passei 11 anos na Igreja clandestina. Depois da queda do comunismo, me tornei capelão universitário e comecei a atuar como professor na universidade. Durante esses quase 30 anos, batizei mais de 2 mil jovens, a maioria estudantes. Eles têm a mente muito aberta e são muito profundos. Na paróquia universitária, o catecumenato dura dois anos, com encontros semanais e três ou quatro fins de semana de convívio a cada ano. Qual é a razão desse, por assim dizer, “sucesso” pastoral? Não acho que tenha algo a ver com o meu carisma pessoal, mas sim com o estilo pastoral.

O mais importante é que seja um estilo de diálogo, não de monólogo. Às vezes um pregador até diz: “Agora vamos nos perguntar…”, mas ele acaba perguntando algo que ninguém pergunta. Uma vez vi no metrô de Praga um anúncio que dizia: “Jesus é a resposta”, e alguém escreveu embaixo: “Mas qual é a pergunta?” O filósofo Eric Voegelin dizia que o grande problema do cristianismo do nosso tempo não é que os cristãos não tenham as respostas certas, mas que eles esqueceram as perguntas. Acho que as perguntas às vezes são mais importantes que as respostas. Há perguntas diante das quais é melhor não dar spoiler das respostas. Deus mesmo vem a nós não apenas como resposta, mas também como pergunta. Ele pergunta ao ser humano: “Onde você está?” Acho que esse é o estilo pastoral adequado com a juventude. Primeiro, ouvir as suas verdadeiras perguntas; e, depois, não responder imediatamente com frases feitas. Precisamos não abrir as portas a partir de cima, mas provocar as pessoas a partir de sua própria busca, avançando cada vez mais profundamente.

A verdade não é a ideologia de um sistema nem se reduz às sentenças dogmáticas: a verdade é um livro que nenhum de nós leu até o fim. Não somos os seus donos. Jesus é a verdade, mas nós não somos Jesus: somos seus seguidores, seus discípulos. A fé não é uma ideologia e sim a coragem de entrar na nuvem do mistério – até mesmo deixando algumas questões abertas. Algumas perguntas só terão respostas completas na escatologia. Paulo diz que agora vemos como em um espelho, mas então veremos face a face (1Cor 13, 12). É importante ter paciência. Às vezes somos confrontados com o silêncio de Deus. Alguns cristãos cantam aleluia-aleluia o tempo todo e não estão em condições de ouvir a bela música do silêncio de Deus. Outros, tradicionalistas, repetem as velhas respostas, por não conseguirem suportá-la. A fé, a esperança e o amor são as três formas de resistir a esse silêncio.

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