Em 13 de maio de 1981, São João Paulo II foi alvejado em pleno Vaticano, enquanto percorria a Praça de São Pedro em cima do papamóvel. Os quatro tiros vieram da arma de Mehmet Ali Agca, um turco de 23 anos, que foi detido imediatamente. Gravemente ferido, o papa ficou internado por 22 dias e, depois de descobrir uma infecção, voltou ao hospital para mais 56 dias de internação. Nunca ficou claro quem foi o mandante do atentado. Especula-se que tenha sido a União Soviética ou, quem sabe, o Irã do aiatolá Khomeini.
A história do atentado a João Paulo II de 1981 é largamente conhecida. O que pouca gente sabe é que, um ano depois, precisamente enquanto estava em Fátima para agradecer a Nossa Senhora por ter sobrevivido aos disparos, o papa foi vítima de uma nova tentativa de assassinato. Desta vez, o terrorista não estava agindo a mando dos comunistas ou dos muçulmanos. Pelo contrário, ele confessou que quis matar João Paulo II porque o considerava um “agente de Moscou”.
Tratava-se do espanhol Juan María Fernández y Krohn, um padre da Fraternidade Sacerdotal de São Pio X (FSSPX), um grupo tradicionalista que não está em comunhão com Roma. De batina, o padre de 32 anos tinha ido de Paris até Fátima com o objetivo de matar o papa. Armado com uma baioneta – um tipo de punhal projetado para se encaixar no bocal de espingardas –, Krohn empurrou o cordão humano composto por seguranças enquanto gritava em espanhol: “Abaixo o papa e o Vaticano II!”
Os seguranças o fizeram cair. “Não me deixem linchar!”, gritou o padre. O papa percebeu o que tinha acontecido, voltou atrás e lançou uma bênção sobre Krohn. Só em 2008 o cardeal Stanislaw Dziwisz, que foi secretário pessoal de João Paulo II durante quase quarenta anos, revelou que o papa chegou a se ferir, mas prosseguiu as atividades. “Quando voltamos para seu quarto, havia sangue”, disse Dziwisz em um documentário. Os seguranças portugueses que se envolveram na ação, bem como o próprio Krohn, negam que a arma tenha alcançado o papa.
A sentença
Exames psicológicos não detectaram qualquer problema de saúde mental. O padre foi detido e condenado a seis anos e meio de prisão, mais sete meses por injúrias à magistratura. Ao ouvir a sentença, Krohn avançou em direção ao juiz, gritando “Fantoche, comunista, assassino!” Dizia ainda: “Não aceito esta sentença. Aos olhos de Nossa Senhora, Mãe de Deus, sou inocente”. O padre alegava que um tribunal civil não conseguia avaliar com justiça o seu ato, que tinha “motivos estritamente religiosos”.
Cumpriu pouco mais de três anos e foi solto. Expulso de Portugal, foi impedido de voltar para a França, bem como afastado da FSSPX. Krohn deixou de exercer o sacerdócio, casou-se, teve um filho, divorciou-se e hoje vive em Bruxelas. Ao contrário de Ali Agca, não se arrepende de nada. “Fiz e não me arrependo”, disse em uma entrevista à emissora portuguesa RTP em 2010. Ele se incomoda que João Paulo II tenha perdoado Ali Agca, “um muçulmano inimigo da civilização ocidental”, mas tenha excomungado Marcel Lefebvre, o fundador da FSSPX.
Krohn continua sustentando que a Igreja “se tornou muito de esquerda com o Concílio Vaticano II”. Mantém um blog e lançou em 2016 uma autobiografia chamada Krohn, o padre papicida. Ele diz que, mesmo não tendo conseguido matar o papa, alcançou seu objetivo de dar relevância mundial à sua causa.
Embora o atentado perpetrado por Krohn tenha lesado muito menos João Paulo II do que os tiros de Ali Agca, o fato é que ambos os episódios devem ser avaliados com o mesmo peso. O papa foi igualmente vítima de um e de outro e, o que é muito significativo, por motivações praticamente opostas. São João Paulo II poderia ter sido um mártir pelas mãos de um terrorista muçulmano a mando, aparentemente, da União Soviética; mas poderia tê-lo sido igualmente pelas mãos de um padre anti-Concílio Vaticano II.
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Confira aqui um vídeo do momento do atentado.
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