A Santa Sé anunciou nessa quinta-feira (06/12) que o Papa Francisco visitará os Emirados Árabes Unidos em fevereiro de 2019, onde participará de um Encontro Inter-religioso Internacional. Será a primeira visita de um papa ao país de maioria muçulmana (77%) que é considerado um dos mais abertos da Península Arábica – uma das regiões do mundo em que a presença da Igreja Católica é mais precária.
A organização da Igreja Católica na região começou a ser estruturada em 1888, quando Leão XIII erigiu o Vicariato Apostólico da Arábia, cujo território abarcava toda a península. Em 1953, Pio XII desmembrou esse território e criou a Prefeitura Apostólica do Kuwait. Em 2011, Bento XVI renomeou as duas circunscrições e redesenhou as suas fronteiras, dando origem ao Vicariato Apostólico da Arábia Setentrional e ao Vicariato Apostólico da Arábia Meridional.
O primeiro é formado por Kuwait, Bahrein, Catar e Arábia Saudita. O segundo, pelos Emirados Árabes Unidos, Iêmen e Omã. Os vicariatos e prefeituras apostólicos são jurisdições típica de terras de missão, em que a presença da Igreja ainda é incipiente.
O Vicariato Apostólico da Arábia Meridional, que o papa visitará em fevereiro, tem à sua frente o bispo Paul Hinder, um capuchinho suíço de 76 anos – os capuchinhos são os responsáveis pelo cuidado pastoral da região desde 1916. A sede do vicariato é a Catedral de São José, em Abu Dhabi. O vicariato é responsável por 20 paróquias, nas quais atuam 45 padres que atendem cerca de 1 milhão de católicos.
Já o Vicariato Apostólico da Arábia Setentrional tem a sua sede na Catedral da Sagrada Família, na Cidade do Kuwait, embora a residência do bispo seja em Awali, no Bahrein, na região central do vicariato – já que a Arábia Saudita só faz parte nominalmente da circunscrição, pois lá é proibida a prática pública de outras religiões que não o islã. O bispo é o comboniano Camillo Ballin, um italiano de 74 anos, responsável por 54 padres, 11 paróquias e 2,4 milhões de católicos.
Ballin e Hinder participam da Conferência dos Bispos Latinos das Regiões Árabes, criada em 1967, que inclui também bispos de rito romano do Iraque, da Somália, do Djibuti, da Síria, do Líbano, do Egito e do Patriarcado Latino de Jerusalém.
Cenário difícil
A relação com a Arábia Saudita é complicada, embora tenha dado passos significativos. Em 2007, Bento XVI recebeu em audiência no Vaticano o Rei Abdullah, morto em 2015 – nunca antes havia sido realizado um encontro entre um rei saudita e um papa. Recentemente, em abril, o cardeal Jean-Louis Tauran, então presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, cumpriu uma visita histórica de 8 dias ao país.
Segundo o Vicariato Apostólico da Arábia Setentrional, há cerca de 1,5 milhão de católicos no país, todos eles migrantes, principalmente da Índia e das Filipinas. “A comunidade católica respeita a sensibilidade da região e sempre manteve discrição. As relações com as autoridades locais são geralmente boas”, diz o site do vicariato.
Já no Vicariato Apostólico da Arábia Meridional, o grande problema é a situação do Iêmen, devido à guerra. “Embora a missão na Península Arábica tenha começado justamente no Iêmen, há cerca de 180 anos, e a primeira sede do vicariato tenha sido Aden, hoje, depois de três anos de guerra, a Igreja como organização é quase inexistente”, conta o bispo em uma entrevista à Mondo e Missione publicada em agosto.
“Há ainda alguns fiéis em algumas partes do país, com os quais, no entanto, não tenho contato. Sabemos que em Saná aqueles que conseguem se mover pela cidade se reúnem de vez em quando, em poucas pessoas, para rezar com as irmãs de Madre Teresa. Mas não há mais padres nem os lugares onde se celebrava missa”, relata Hinder. O último padre, o salesiano indiano Thomas Uzhunnalil, foi raptado em 2016 e libertado depois de um ano e meio de cativeiro.
O bispo esclarece: “Essas são as consequências da guerra, não de uma perseguição direta aos cristãos – que são uma entidade que quase não existe publicamente. Claro que por trás do massacre das irmãs havia forças radicais, e é evidentemente possível que um cristão sofra alguma discriminação na sua vida cotidiana, mas quem sofre os efeitos devastantes do conflito são os iemenitas em sua totalidade”.
Emirados
Já nos Emirados Árabes Unidos, os cristãos formam, no dizer de Hinder, uma “bolha” dentro da sociedade. “Somos quase todos migrantes”, explica. A consequência disso, conta ele, é “uma certa precariedade em todos os níveis: entre os nossos fiéis, ninguém sabe se ainda estará por aqui dentro de alguns meses. Quase toda semana enfrentamos casos, às vezes muito dramáticos, de pessoas que apostaram tudo para vir aqui e ganhar algum dinheiro para mandar às suas famílias e que, de repente, perdem o emprego e precisam ir embora”.
No entanto, o país é o único do Oriente Médio em que o número de cristãos tem aumentado. Um décimo dos habitantes dos Emirados Árabes Unidos é católico. Também isso se deve ao grande número de migrantes, que formam 80% da população do país. A catedral do vicariato tem missas em inglês, árabe, filipino, francês, coreano, polonês e outras dez línguas.
“Aqui experimentamos verdadeiramente a catolicidade da Igreja: nossos fiéis vêm do mundo todo, ainda que prevalentemente da Ásia, e trazem consigo uma riqueza excepcional de culturas, tradições e ritos”, exclama o bispo. Conversões, por sua vez, sendo muito mal vistas no islã, não acontecem. “Eu mentiria se dissesse que essa não é, para um bispo, uma ferida aberta”, confessa Hinder.
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