Conforme antecipado pelo Blog da Vida ontem, deputados e senadores pró-vida pertencentes a três bancadas entregaram ao presidente do Congresso, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), uma moção de repúdio à ação do PSOL que tenta descriminalizar o aborto via STF.
Na ocasião, o senador não quis comprometer-se publicamente e adiantar sua resposta, afirmando apenas que vai se manifestar “no momento oportuno”.
O Blog da Vida teve acesso a uma cópia do documento entregue à presidência do Congresso e reproduz abaixo. É gratificante ver o quão bem embasado está o texto. Foi um ótimo trabalho.
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Brasília, 29 de março de 2017.
A Sua Excelência o Senhor Eunício Oliveira Presidente do Congresso Nacional
Assunto: Manifestação de repúdio à ADPF 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
A Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, juntamente com a Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional e a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, vem, perante Vossa Excelência, manifestar total repúdio à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade – PSOL –, na qual pede que a Suprema Corte declare a não recepção parcial dos arts. 124 e 126 do Código Penal, para permitir todo e qualquer tipo de aborto realizado até a 12ª semana de gestação, e requerer que o Congresso Nacional, ao prestar as informações solicitadas pela Ministra Rosa Weber, se pronuncie de acordo com os anseios da população brasileira, em defesa irrestrita do direito à vida.
Os autores da ação fundamentam o pedido alegando que os artigos 124 e 126 do Código Penal são incompatíveis com a dignidade da pessoa humana e violam os direitos fundamentais das mulheres à vida, à liberdade, à integridade física e psicológica, à igualdade de gênero, à proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar, de modo a garantir às mulheres o direito de interromper a gestação, por qualquer motivo, desde que antes da 12ª semana, e permitir aos profissionais da saúde que realizem os procedimentos necessários sem que sejam punidos. Tal argumento não merece prosperar e ação sequer deveria ter prosseguimento, porquanto é o Congresso Nacional que detém a legitimidade para regular o tema e não o fez, ao longo das mais de sete décadas de vigência do Código Penal, não por omissão ou negligência, mas em razão da vontade majoritária do parlamento, que se manifestou contrariamente à medida em todas as vezes que matéria foi discutida. Desde 1991, tramitou, em várias legislaturas, o PL 1135/91, que permitia o aborto até as 12 semanas de gravidez, como pretende a ADPF 442. Por opção da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, o projeto foi seguidamente arquivado, pois não se desejava mudar a legislação.
Finalmente, no ano 2008, foi feita a opção por votá-lo, depois da realização de várias audiências públicas. A derrota do PL 1135/91 na Comissão de Seguridade Social e Família foi histórica, por 33 votos a “0”. Em seguida, foi também derrotado na Comissão de Constituição e Justiça e arquivado definitivamente. Houve uma tentativa de se levar o assunto a plenário, mas também não prosperou. Ficava expressa a vontade da Câmara dos Deputados em não permitir a legalização do aborto.
Atualmente, tramita o PL 882/2015, de autoria do Deputado Jean Wyllys, do PSOL/RJ, que pretende revogar os artigos do Código Penal referentes ao aborto, o que, na verdade, descriminalizaria totalmente o aborto, independentemente da idade gestacional.
No Senado Federal, tramita a reforma do Código Penal brasileiro, por meio do PLS 236/2012. A Comissão de juristas que elaborou a proposta inicial sugeriu várias alterações nos artigos referentes ao aborto, liberando a prática em variadas situações. Entretanto, o substitutivo aprovado na Comissão Especial, de autoria do relator, Senador Pedro Taques, manteve a redação do atual Código Penal em relação a estes dispositivos, mostrando, mais uma vez, a vontade do parlamento em manter a legislação.
Além disso, foi recebida no Senado a Sugestão nº 15, protocolada na Secretária-Geral da Mesa do Senado Federal em 16 de dezembro de 2014, solicitando a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez dentro das 12 primeiras semanas de gestação pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A Sugestão tem como finalidade a elaboração de proposta que permita que as interrupções voluntárias da gravidez até a 12ª semana de gestação sejam consideradas ato médico e todas as instituições do SUS estejam aptas a realizá-las. Foram realizadas diversas audiências públicas, debatendose democraticamente o assunto e o relatório deve ser apresentado em breve, segundo expressou o relator, Senador Magno Malta.
Haveria outros exemplos, mas estes são suficientes para demonstrar que o Congresso não tem sido omisso no debate do assunto. O Congresso Nacional é o fórum adequado para esse debate, e sua função legislativa não pode ser, como repetidas vezes nos últimos anos, usurpada pelo STF.
Ademais, ainda que assim não fosse, a ação ajuizada pelos autores não encontra respaldo algum na Constituição Federal e fere de morte o princípio da dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal garante, em seu artigo 5º, que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Percebe-se, assim, pela própria disposição do texto constitucional, que o legislador imprimiu primazia ao direito à vida. Este é colocado à frente de outros, para realmente destacar a sua superioridade e fundamentalidade. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. O direito à vida constitui a fonte primária de os outros bens jurídicos. A vida é o primeiro valor moral de todos os seres humanos, e, por esta razão, deve ser resguardada sem economia de esforços. De nada adiantaria que a Constituição assegurasse outros direitos fundamentais, como a igualdade, a intimidade, a liberdade, o bem-estar, se não erigisse a vida humana num desses direitos.
Ademais, com a devida ratificação e internalização na ordem jurídica brasileira da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 1969, que tem status supralegal, direitos individuais foram criados no Brasil, ao mesmo passo que atos infraconstitucionais que se contrapõem à sua plena efetivação tiveram seus efeitos suprimidos. (ADI 5240, Relator Ministro Luiz Fux). Este diploma legal garante o direito à vida desde a concepção, conforme disposto em seu art. 4º:
Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente
Da mesma forma, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 2º, assegura os direitos do nascituro desde a concepção, in verbis:
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Por esta razão, e em homenagem à teoria do diálogo das fontes, segundo a qual as normas jurídicas devem ter sua aplicação simultânea, coerente e coordenada, de forma a complementarem-se e não se excluírem, verifica-se a total improcedência da ADPF, vez que os diplomas mencionados asseguram o direito à inviolabilidade da vida desde a concepção e dele ninguém pode ser privado de forma arbitrária, ao contrário do que pretendem os autores.
Por fim, cumpre salientar que o Congresso Nacional, ao prestar informações nos autos da ADI nº 5.581, já se pronunciou sobre o tema – refletindo exatamente o desejo destes subscritores –, fundamentando a improcedência do pedido em duas faltas simultâneas encontradas naquela proposta, mas que se repetem na ADPF 442: a) busca subtrair do Congresso Nacional a sua legitimidade para, dentro dos moldes permitidos pela norma constitucional, e com base em critérios de política criminal, optar pela definição de determinada conduta como crime; e b) é afrontosa ao dever de proteção estatal ao bem jurídico ‘vida’, na medida em que pede uma redução severa na proteção do direito fundamental dos nascituros, a tal ponto que a legislação remanescente resultaria inapta a bem tutelar o mesmo direito.
Por todo o exposto, manifestamos nosso total repúdio à ADPF 442 e rogamos a Vossa Excelência que mantenha a posição exarada na peça de informações apresentada nos autos da ADI nº 5.581, de forma a defender a vida desde a concepção e a garantir as prerrogativas do Congresso Nacional como único legitimado para regular a matéria.
Respeitosamente,
Deputado Givaldo Carimbão
Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana
Deputado Alan Rick
Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família
Deputado Takayama
Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional
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