Se tudo prosseguir caminhando como está, o STF vai legalizar o aborto irrestrito no Brasil ainda neste ano. Não se trata de adivinhação, mas sim de análise simples dos votos já dados pelos atuais ministros em casos envolvendo aborto, de suas posições declaradas publicamente e de matemática. No julgamento da ADPF 442 vamos perder por 7 a 4, na hipótese mais otimista.
É claro que coloco na conta também o ativismo judicial explícito, do qual nenhum dos 11 ministros se sente minimamente constrangido em colocar em prática, graças à impressionante sequência de fracassos nas tentativas de frear seus abusos. Como exemplo dessas derrotas, cito as dezenas de pedidos de impechment de ministros, que já se tornaram tão banais quanto seus previsíveis arquivamentos; as duas tentativas de instaurar uma CPI da Lava Toga – só neste ano – que naufragaram pela covardia de senadores que retiraram seus nomes da petição; e a completa imobilidade de projetos de lei até bem intencionados, mas que não andaram nenhum centímetro em suas tramitações, como o PL 4754/2016, sobre “usurpação de competência”. No fim da legislatura passada foi arquivado pela Câmara dos Deputados, depois desarquivado e agora voltou à estaca zero.
Acham que pressão popular pode intimidar nossos deuses de toga? Admitemos, nossas marchas pela vida são importantes, necessárias, mas numericamente não chegam nem perto das multidões que arrancaram a Dilma do Planalto ou que exigiam Lula na cadeia. Comparados à March for Life americana, por exemplo, ainda somos anões.
Querem saber por que essa enxurrada de realismo pessimista? Por que considero a PEC 29/2015, a PEC da Vida, a única forma de limitar o Supremo, a única forma de não virarmos um gigante país abortista já em 2020.
Junto do Estatuto do Nascituro, essa PEC foi a principal bandeira do movimento pró-vida nos últimos anos, mas essa semana ela virou causa de discórdia pública, para a alegria exultante dos nossos inimigos. Isso porque, em seu parecer, a relatora na CCJ do Senado, Selma Arruda (PSL-MT), acrescentou os excludentes de punibilidade referentes aos casos de estupro e risco de vida para a mãe. Na prática, repete o que já diz o Código Penal e isso rachou o movimento. As razões exigem várias considerações:
Exceções
O texto original, do ex-senador Magno Malta, era bastante sucinto. Simplesmente incluía o termo “desde a concepção” no artigo referente à inviolabilidade da vida humana. Sem mencionar as exceções previstas no Código Penal. É o que tem sido chamada de “PEC pura” nos bastidores dessa discussão.
Não há a menor sombra de dúvidas de que, do ponto de vista pró-vida, é a versão ideal. Só que também podemos contar com a certeza absoluta de que essa versão não seria aprovada de jeito nenhum. Hoje, com sorte, teria o voto de cinco senadores. E só.
Por ser uma PEC, e não projeto de lei, precisa de maioria qualificada para a aprovação, isto é, três quintos do total de senadores. Isso dá 49 votos.
O que faria com que pelo menos 49 dos 81 senadores topem aprovar a PEC? A garantia de que os atuais casos de abortos não punidos permaneceriam válidos. Para eles, essa garantia só é realmente possível mencionando-se expressamente, na própria emenda, aquilo que o Código Penal já prevê.
Na verdade, sem essa garantia, a PEC não teria sequer sido desarquivada. Esse ponto foi crucial nas negociações lideradas pelo senador Eduardo Girão (PODE-CE) e é esse ponto o que está garantindo, nesse momento, os 49 votos necessários (um pouco mais, na verdade) para que PEC seja aprovada, e aprovada logo.
A opinião das senadoras
Destaco que essa é uma oportunidade única, o ambiente político está muito favorável à provação (contanto que se mencione as exceções). Esse cenário seria impensável na legislatura passada, muito mais hostil a um projeto como esses.
Convém mencionar, inclusive, uma peculiaridade interessante: a opinião das senadoras. Numa discussão como essa, a posição das mulheres do Senado é a principal força decisória nos votos de vários colegas homens. Na legislatura passada, estava bem ativo por lá um quarteto que causava pesadelos em qualquer pró-vida. Gleisi Hoffmann (PT), Vanessa Grazziottin (PC do B), Fátima Bezerra (PT) e Martha Suplicy (MDB) agiam como obstáculos diabólicos contra qualquer projeto de defesa do nascituro. Só que, pela vontade popular (e providência divina), hoje o Senado sorri feliz com a ausência dessas senhoras. Elas foram substituídas por mulheres que não necessariamente abraçam todas as nossas demandas, mas são sensatas o bastante para reconhecer o perigo dos abusos do STF e a necessidade de se impedir a ampliação do aborto no Brasil. Contanto que os casos não puníveis hoje sejam mantidos.
Na prática, sem a menção explícita das exceções previstas no Código Penal não tem PEC da Vida. Sem a PEC da Vida não há nenhuma alternativa viável e que possa ser colocada em prática antes do julgamento do STF. Nenhuma. É a PEC ou nada.
“Mas o Código Penal continua valendo com a PEC pura”
Esse é o argumento mais reproduzido para quem tenta justificar o texto sem a menção explícita das exceções vigentes hoje, mas ele só convence quem já está convencido e torcendo pelo texto original. Vocês acham que ninguém ainda tentou dizer isso para senadores indecisos ou apoiadores parciais? Ninguém acredita! E tem razões para isso.
Para cada jurista conservador usado como referência para fundamentar essa tese, há outro progressista que diz o contrário, e afirma que uma alteração na Constituição afetaria sim o Código Penal, fazendo com que os casos de não punibilidade do aborto hoje deixem de valer. O fato é que não há consenso jurídico e é isso o que deixa muitos parlamentares resistentes ao texto em sua forma original.
O perigo das exceções na Constituição
Quanto aos riscos de se constitucionalizar as exceções, é claro que existem, mas será que são maiores do que a iminente legalização via STF daqui a alguns meses, sem nada novo que os impeça de fazerem exatamente o querem?
A PEC da Vida aprovada no Senado – mesmo com as exceções inclusas – seria um obstáculo poderoso, pois por mais que não se possa subestimar a criatividade jurídica sorrateira de alguns ministros, o malabarismo necessário para se justificar uma legalização total via judiciário logo após o próprio Senado ter tratado e decidido sobre a mesma matéria, e em sentido contrário, seria escandaloso demais, ao menos para aqueles que, embora abortistas, não estejam tão dispostos a tamanho desgaste de reputação no meio jurídico e ao provável acirramento de relações com o Senado em níveis ainda não experimentados.
Ainda sobre os problemas de se colocar na Constituição as exceções, eu recomendo a leitura do texto do amigo Marlon Derosa, do site Estudos Nacionais, que defende uma posição oposta à minha, mas que evidentemente busca o mesmo objetivo: proteger a vida desde a concepção.
Não acaba no Senado
Aprovar no Senado é fundamental porque produzirá prova incontestável de que o Congresso está lidando com o assunto, fragilizando a alegação comumente usada pelo Supremo de que “o parlamento se omitiu”. Mas a tramitação não acaba em uma só casa. Saindo do Senado vai para a Câmara onde modificações ainda poderão ser feitas. Aos descontentes com a inclusão das exceções, por favor, tenham isso em mente.
Mesmo barco
Acho que estamos todos no mesmo barco, há perigo por todos os lados, mas temos que escolher uma direção e seguir remando nela, com coragem.
Acho também que deixar passar a oportunidade única que temos hoje de se aprovar a PEC da Vida (mesmo com as exceções inclusas) no Senado é um erro grave e terá como resultado muito provável a legalização total e irrestrita do aborto no Brasil, via STF, no julgamento da ADPF 442.
Eu não quero ter nas minhas mãos o sangue dos inocentes que seriam salvos graças a essa PEC, pela qual tanto lutamos, mas da qual desistimos no momento derradeiro.
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Se quiser entender ainda melhor por que a PEC da Vida tem que passar, mesmo com as exceções inclusas, assista ao inspirado discurso feito pelo autor do Estatuto do Nascituro, Luiz Bassuma, no Seminário em Defesa da Vida, realizado no Senado, na última quinta-feira (25/04):
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