Por Aaron Gouveia, marido, pai de dois filhos e responsável pelo blog The Daddy Files.
“Meu Deus, que pai horrível. Eu JAMAIS deixaria isso acontecer!”
É comum ver reações assim quando o verão nos traz as notícias trágicas de bebês que morrem ao ter sido esquecidos por seus pais dentro do carro. Dessa vez aconteceu com Justin Ross Harris, de Geórgia, nos Estados Unidos, que aparentemente esqueceu de deixar o seu filho de 22 meses na creche e o deixou no aquecidíssimo banco de trás de seu carro por sete horas, enquanto trabalhava. Harris, de 33 anos, foi acusado de homicídio.
Talvez seja a natureza humana, sempre pronta a atribuir a culpa a alguém, que nos convence de que nós nunca esqueceríamos o nosso filho – o que é compreensível. Mas também é impreciso. Eu posso dizer isso com uma honestidade brutal, porque aconteceu comigo.
O órgão público que cuida da segurança do trânsito em meu país diz que todo ano 25 crianças morrem em acidentes como esses. Não há, é claro, estatísticas a respeito de crianças que chegaram a ser esquecidas, mas foram lembradas a tempo. Isso acontece com mães e pais, jovens e velhos.
Não quero me gabar e dizer que sou um pai ótimo, mas não sou ruim. Eu amo meus filhos e eles são o meu mundo. Sempre me esforço para garantir que eles estejam seguros e fora de perigo e, ainda assim… eu sou humano. É isso que nós somos. A nossa capacidade de errar é inata e isso deveria ser o motivo para que não julgássemos.
Seis anos atrás, quando meu filho mais velho nasceu, era eu quem cuidava mais dele. Eu trabalhava a tempo integral, mas meus horários eram flexíveis e a maior parte da renda da casa vinha da minha mulher. Isso significa que eu tinha o privilégio de fazer o seu café da manhã, aprontá-lo e levá-lo para a creche. Eu tinha minha rotina pontual todos os dias.
Todos os dias exceto a quarta-feira.
Eu tinha folga às quartas e um parente meu era bondoso o suficiente para vir até a minha casa e cuidar de Will por um tempo. Eu usava essas horas para ir à academia, resolver coisas e relaxar um pouco da pressão constante em criar um bebê de dez meses.
Mas naquela quarta-feira, o parente não veio. E como eu tinha que resolver as coisas, tive que levar Will comigo a todos os lugares da minha lista. Lembro que me senti muito grato porque ele adormeceu assim que saímos. Então, como toda quarta-feira, a minha mente começou a se preocupar com todas as coisas que eu tinha que fazer e todos os lugares onde eu tinha que ir.
Estávamos em Massachusetts, era inverno e a temperatura estava sempre abaixo dos dez graus negativos. Quando estacionei o carro, eu estava mais me preocupado em me preparar para a explosão ártica que teria que enfrentar do que em outra coisa. Respirei fundo, abri a porta e entrei naquele ar gelado. Quando eu estava na porta do mercado, me dei conta. Eu tinha esquecido a lista de compras no banco do passageiro.
Opa, eu tinha esquecido algo mais.
Quando eu voltei para o carro e percebi isso, aprendi o verdadeiro significado de “ataque de pânico”. Eu parei, paralisado pelo medo mais intenso que eu já senti. Tentei amenizar as coisas, dizendo a mim mesmo que estava com sono e fora da minha rotina normal – o que era fato – mas não tinha como negar outro fato: eu esqueci o meu filho. Se eu não tivesse me lembrado da lista, a probabilidade é que o encontraria congelado até a morte quando voltasse.
Sou escritor. Mais especificamente, escrevo num blog sobre pais. Ou seja, eu já escrevi sobre histórias muito pessoais e até mesmo humilhantes. Mesmo assim, eu só contei o que aconteceu à minha esposa ontem – seis anos depois. A vergonha é muito grande.
Há casos em que os pais esquecem os filhos no carro porque estão usando drogas. Em casos de clara negligência, eu me junto facilmente às massas invocando ira e indignação. Mas quando pais saudáveis e bem-intencionados têm um trágico lapso de memória que dá lugar a uma vida inteira sentindo-se culpado, eu não posso ajudar a não ser demonstrando acolhimento e me lembrando daquele dia, seis anos atrás.
O dia em que uma lista de compras foi a única coisa que evitou que eu e meu filho virássemos uma manchete. E aposto que não fui o único que ficou por um triz.
Artigo publicado originalmente em inglês no site da revista Time.
Tadução e adaptação: Felipe Koller.