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Traduttore, traditore”, diz um ditado italiano: o tradutor é sempre um traidor. Segundo o desenvolvimento de cada cultura, cada língua constrói as suas próprias nuances, de modo que mesmo palavras que parecem corresponder plenamente em idiomas diferentes evocam significados diversos na mente de seus falantes. Assim, o tradutor precisa fazer escolhas interpretativas que vão além do que diz o dicionário. É por isso, por exemplo, que existem tantas edições diferentes da Bíblia, como já conversamos aqui.

O mesmo incontornável problema se aplica às orações comumente recitadas pelos cristãos. Aqui no Brasil, por exemplo, costuma ser causa de estranhamento a diferença entre a versão católica e a evangélica do Pai Nosso. A primeira fala de “ofensas” e “aqueles que nos ofenderam”; a segunda fala de “dívidas” e “devedores”. Além disso, os católicos se dirigem ao Pai na segunda pessoa do plural, enquanto os evangélicos usam a segunda pessoa do singular. Não há nenhuma questão doutrinária por trás desse último ponto: trata-se simplesmente de como cada costume se desenvolveu.

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O papa Francisco colocou em destaque na quarta-feira (06/12) uma questão mais importante referente à tradução do Pai Nosso. A rede TV2000 está veiculando em nove episódios uma longa entrevista com o pontífice sobre a oração, em um programa chamado Padre Nostro. No último episódio, Francisco questionou a tradução italiana do Pai Nosso. “Não é uma boa tradução”, disse.

Isso porque o texto italiano, no lugar em que a tradução em português diz “não nos deixeis cair em tentação”, diz “non indurci in tentazione” – “não nos induzais à tentação”. “Quem te induz à tentação é Satanás. Esse é o ofício de Satanás”, explica o papa. “Sou eu que caio. Não é Deus que me coloca em tentação para depois ver como caí. Um pai não faz isso. Um pai ajuda a levantar depressa”.

Mudanças

A Conferência Episcopal Italiana (CEI) estuda a questão desde 2000. O cardeal Giuseppe Betori, arcebispo de Florença, está à frente dos trabalhos, que contam com bispos, teólogos e biblistas. A proposta é trocar a frase por “non abbandonarci alla tentazione” (“não nos abandoneis à tentação”). A nova tradução já está em uso desde 2008 na Bíblia publicada pela CEI e no Lecionário. Falta ainda a mudança no Missal, que efetivaria o novo uso litúrgico da oração – que se refletiria no uso pessoal.

“O Santo Padre fez bem em tornar pública a questão”, disse Betori ao jornal Avvenire. “Em italiano, o verbo indurre não é o equivalente do latim inducere ou do grego eisferein, mas diz algo mais. O nosso verbo é constritivo, enquanto o grego e o latim têm um valor apenas concessivo: na prática, ‘deixar entrar’”.

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A França acabou de promover uma mudança em sua tradução. A troca de “ne nous soumets pas à la tentation” (“não nos submetais à tentação”) por “ne nous laisse pas entrer en tentation” (“não nos deixeis entrar em tentação”) passou a valer a partir do primeiro domingo do Advento, no dia 3 de dezembro.

A mudança foi aprovada tanto pela conferência episcopal quanto pelo Conselho das Igrejas Cristãs, de modo que será utilizada também em todas as celebrações ecumênicas. Em outros países francófonos, como a Bélgica e o Benin, a nova tradução entrou em vigor em Pentecostes, no dia 4 de junho.

Para Betori, a proposta italiana tem “maior riqueza de significado”. “‘Não nos abandoneis à tentação’ pode significar tanto ‘não nos abandoneis, para que não caiamos em tentação’ – como a nova tradução francesa – quanto ‘não nos abandoneis à tentação quando já estamos em tentação’”, explica.

O Pai Nosso se encontra tanto no Evangelho de Mateus quanto no de Lucas, com pequenas diferenças – a versão de Mateus, maior, é a que usamos correntemente. Não custa lembrar que, assim como é conhecido, o “original” já é uma “tradução”: o Novo Testamento foi escrito em grego, mas Jesus, que ensinou a oração, falava aramaico. Em português e espanhol, o texto do Pai Nosso já segue a interpretação dada pelo papa.

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